junho 11, 2008

Banalidades

Clichés, lugares comuns, chavões. Grande parte da interacção social transcorre da aplicação e cristalização dos mesmos. Nas mais diversas áreas sedimentaram-se locuções destinadas a simplificar o árduo processo de comunicação. A ilusão de partilha de referências através da exaustiva repetição de expressões auto-evidentes e, por vezes, totalmente esvaziadas de qualquer significado inteligível transforma as dinâmicas comunicativas numa simples troca de desgastadas manifestações. Os lugares-comuns encontram-se firmemente enraizados nos diversos campos, dotados de jargões específicos. Por exemplo, no elemento amoroso a expressão "Não consigo viver sem ti" encontra-se de tal modo erodida, que proponho a sua substituição por "És o estrume em que germina o meu amor". Metáfora rural num país agrícola, inspirada por José Mário Branco (Ser Solidário, 1982). No campo do futebol (e ele a dar-lhe), basta ver os comentários dos espectadores da Liga dos Últimos para compreender a emulação dos modelos promovidos por diversos jornalistas e paineleiros pelos espectadores desanimados. Quando assistimos aos adeptos de um clube militante das distritais (cujas instalações desportivas se resumem a um recinto pelado e a meio bidão para assar couratos) comentar: "a basculação lateral na transição defesa-ataque tem que melhorar" inquirimos sobre que tipo de cogumelos andam aqueles senhores a consumir. Mijando no penico da política, a diminuição do peso do Estado e a agilização de processos burocráticos continuam a ser propalados. Para quando um político que consolide o lugar-comum canonizado pelo inefável Alberto João Jardim: "Estou-me a cagar para Lisboa. Quero que a Assembleia da República se foda"? Isso sim, seria uma frase promocional fabulosa nas próximas eleições autárquicas. Contudo, a substituição do Lebenswelt (ou mundo vivido, cf. Edmund Husserl, Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzentale Phänomenologie, Philosophia, 1936) por slogans publicitários traz enormes benefícios ao colectivo. Já imaginaram a trabalheira que seria ter opiniões próprias sobre diversas temáticas? E o bloqueio comunicativo que daí poderia advir? Que cafés seria possível frequentar sem temer pela segurança? Quanto a isso, não será nosso objectivo fornecer respostas, visto estas constituírem igualmente lugares-comuns. Outro estádio do mesmo processo é a galopante mudança de paradigmas sociais. Actualmente os segmentos comunicacionais não recorrem ao lugar-comum, metabolizam-no e transformam-se eles mesmos em clichés. Ser um Lugar-Comum. Desde o teatro popular renascentista à ópera cómica que os modelos dramatúrgicos se centram na enfatização de estereótipos imediatamente reconhecíveis (Paolo Gallarati, Musica e maschera, EDT, 1989) e como:

"All the world's a stage,
And all the men and women merely players: 
They have their exits and their entrances; 
And one man in his time plays many parts,
His acts being seven ages."

(Wiilam Shakespeare, As You Like It, 1598-99)

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