O moralismo de matriz burguesa emergente a partir do final do século XVI veio a determinar cânones estéticos que se enraizaram por um extenso intervalo cronológico. Associado a dispositivos censórios de forte carga religiosa, esses elementos condicionaram de forma marcante a produção artística da época. Tendo em conta os comportamentos do clero da altura, cuja libertinagem e dissolução fizeram as delícias de todos os orifícios de jovens ou idosas criadas, um paradoxo configura-se. As vítimas desse draconiano e multiramificado processo foram sendo imoladas pelo fogo por toda a Europa, num churrasco crepitante de opiniões. Contudo, o refluxo dessas práticas continua bem presente na actualidade. Por outro lado, alguns autores transformaram a transgressão racional dos moralismos numa forma de arte. Uma das figuras fulcrais nessa prática foi Donatien Alphonse François de Sade que, além das suas preocupações de marquês, se dedicou à escrita e prática de uma moralidade intrínseca à sua natureza. Abordando uma panóplia de situações, nas quais o poder é integrado numa perspectiva coreográfica mecanicista (Roland Barthes, Sade, Fourier, Loyola, Tel Quel-Seuil, 1971) ou a negação racional da moralidade enquanto acto subversivo e autonomizador do sujeito burguês (Theodor W. Adorno; Max Horkheimer, Dialektik der Aufklärung, Querido, 1947), a obra do Marquês foi prontamente censurada e o infeliz autor encarcerado por muitos e bons anos. Nesse período, toda a porcaria jorrou em golfadas brutais. Choveu merda na Europa e as monarquias abriam a boca para a tragar (alusão encapotada a Salò o le 120 giornate di Sodoma, filme realizado por Pasolini em 1975, inspirado no romance Sádico Les 120 journées de Sodome ou L'École du Libertinage). Pedagogicamente, aconselho vivamente a obra do Marquês, visto ser altamente formativa. Desde as situações em que jovens e ingénuas ninfas eram ferozmente abusadas às orgias colectivas do "salve-se quem puder; quem não puder, que se foda!". A abordagem explícita a práticas sexuais era integrante do património literário desde cedo, mas Sade potenciou-a a expoentes infinitos. Como autor de um blog de javardices, fica neste espaço o mais sentido tributo a um dos escritores que tratou de forma mais literária a grosseria da sociedade. Já que o presente escriturário nunca irá atingir o Parnaso da excelência na escrita, remete para um exemplo da qualidade poiética da obra Sádica. Para ler o romance Histoire de Juliette ou Les Prospérités du Vice, clicar ici.
junho 16, 2008
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