setembro 29, 2008

Crossing the Bar

Sunset and evening star,
And one clear call for me!
And may there be no moaning of the bar,
When I put out to sea,

But such a tide as moving seems asleep,
Too full for sound and foam,
When that which drew from out the boundless deep 
Turns again home.

Twilight and evening bell,
And after that the dark!
And may there be no sadness of farewell,
When I embark;

For though from out our bourne of Time and Place 
The flood may bear me far,
I hope to see my Pilot face to face 
When I have crossed the bar.

Alfred Lord TennysonDemeter and other poems, London, Macmillan, 1889

setembro 25, 2008

No direction home

City Hall, Newcastle-upon-Tyne, 21 de Maio de 1966

setembro 21, 2008

Justiça latina

Longe vai o tempo em que o Boletim do Ministério da Justiça português divulgava acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça com teor tão humano e erudito quanto este: “... Se é certo que se trata de crimes repugnantes que não têm qualquer justificação, a verdade é que, no caso concreto, as duas ofendidas muito contribuíram para a sua realização. Na verdade, não podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas novas, mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado «macho ibérico». É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois aqui, tal como no seu país natal, a atracção pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-la. Ora, ao meterem-se as duas num automóvel justamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver, conscientes do perigo que corriam, até mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas.” (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 390, Novembro de 1989). Contudo, neste Verão, o Supremo Tribunal italiano deliberou, num âmbito de um processo judicial por estupro, que: "I jeans attillati non sono una cintura di castità" (Os jeans justos não são um cinto  de castidade). A história é simples: um padrasto começou a esfregar manualmente a rata à enteada e ela reportou a ocorrência às autoridades competentes. O Manitas de Plata defendeu-se arguindo que num par de jeans apertados seria impossível colocar lá a mão sem "colaboração efectiva" da enteada. O leitor concerteza já se encontra enojado com a história. Se não, aconselho-o vivamente a procurar auxílio psiquiátrico. Todavia, este prólogo serve para introduzir a grande questão (este não é um trocadilho de pendor sexual referente ao caso do padrasto que areava a patareca da enteada): será que o macho latino está a receder? Não basta a autobiografia de Zezé Camarinha para explicar a situação. Continuamos com os role models masculinos de sempre: toureiros, forcados, motards e matrafonas. No fundo, os Village People numa versão autóctone. Como explicar a súbita mudança? A exposição mediática do Cláudio Ramos não explica tudo, apesar de contribuir definitivamente para criar um sentimento de insegurança. Ao contrário da maioria dos portugueses, o presente autor receia mais entrar numa casa de banho pública que em qualquer estação de serviço ou agência bancária lusa. Contudo, deve ser destacada a mudança central de mentalidade operada pelos tribunais italianos. Qualquer dia, os arguidos cumprirão tempo de prisão mesmo quando apresentarem as plausíveis justificações: "-Ela estava a pedi-las!", "-Amarrei-a na bagageira porque ela me convenceu!", "-Se há uma vítima, sou eu. Ela não tinha nada que se dobrar para apanhar a carteira quando eu estava com a sarda na mão!". Com uma justiça nesses moldes, onde se delimita a taradice e começa o crime? Requisito, encarecidamente, aos jurisprudentes deste torrão de testosterona que analisem estas conjunturas e elaborem um manual utilizável nessas embaraçosas situações. Parece que essa seria a primeira vez que o Professor Marcelo se poderia debruçar sobre o único assunto do qual é um eminente especialista. O distinto comentador até estranharia a proposta: "-O quê, pagarem-me para falar de coisas das quais realmente sei? Que afronta!" Para bem de todas as secretárias, empregadas de mesa e do próprio Marcelo Rebelo de Sousa, cá fica a sugestão.

setembro 20, 2008

Poema dum funcionário cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos

dispersou-me os amigos

tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo

e as casas engolem-nos

sumimo-nos

estou num quarto só num quarto só

com os sonhos trocados

com toda a vida às avessas a arder num quarto só

  

Sou um funcionário apagado

um funcionário triste

a minha alma não acompanha a minha mão

Débito e Crédito Débito e Crédito

a minha alma não dança com os números

tento escondê-la envergonhado

o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do  

                                                         quintal em frente

e debitou-me na minha conta de empregado

Sou um funcionário cansado dum dia exemplar

Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu

                                                                               dever?

Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu

                                                                           cansaço?

    

Soletro velhas palavras generosas

Flor rapariga amigo menino

irmão beijo namorada

mãe estrela música

São as palavras cruzadas do meu sonho

palavras soterradas na prisão da minha vida

isto todas as noites do mundo uma noite só comprida

num quarto só

António Ramos-Rosa, Viagem através duma nebulosa, Lisboa, Ática, 1960


setembro 19, 2008

Uma sequência cinematográfica extraordinária

Michelangelo Antonioni, Professione: reporter, 1975

À l'office

Quand vous vous êtes servie d'une banane pour vous amuser toute seule ou pour faire jouir la femme de chambre, ne remettez pas la banane dans la jatte sans l'avoir soigneusement essuyée.

Ne branlez pas tous vos petits amis dans une carafe de citronnade, même si cette boisson vous parait meilleure aditionnée de foutre frais. Les invités de monsieur votre père ne partagent peut-être pas votre goût.

Si vous videz subrepticement la moitié d'une bouteille de champagne, ne pissez pas dedans pour la remplir.

Ne suggérez pas au serveur de faire l'amour dans le cul d'une poularde cuite, sans vous être préalablement assurée par vous même que le serveur n'est pas malade.

Ne faites pas caca dans le crème au chocolat, même si, étant privée de dessert, vous êtes sûre de n'en pas manger.

Pierre LouÿsManuel de civilité pour les petites filles à l'usage des maisons d'éducation, Paris, Éd. Simon Kra, 1926

setembro 18, 2008

Na rua


Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha…

Minha sempre! – e em voz baixinha:
- «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco…
E o grande amor, afinal,

(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
como uma tarde em setembro…

Manuel Laranjeira, Commigo: versos d'um solitárioPorto : Typ. Fonseca & Filho, 1912.

setembro 11, 2008

Morte ao Meio-dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo, "Tempo duvidoso" in Boca Bilingue, Lisboa, Ática, 1966

setembro 09, 2008

Veneza aos Gatos

Lisboa às moscas e Veneza aos gatos... 
(os pombos da bondade só conspurcam 
a praça de S. Marcos) 
...ao gato perna alta que não vem quando o chamas, 
ao contrário da patrícia mosca 
que não era para aqui chamada, 
mas logo te soprou os últimos zunzuns 
mal chegaste a Lisboa 

O gato de Veneza não te dá pretextos 
para miares o que te vai na alma, 
nem os sacros temores da miaulesca 
esfinge rilkeana. 
Não é um gato é um perfil de gato 
Tapando a saída da calleta. 

O gato veneziano é um gato sem regaços 
e sem selvajaria. 
De Veneza o gato é sempre muitos gatos 
que vão à sua vida... 

...como tu, afinal, não vais à tua. 

(De Veneza a Lisboa, num zunido, 
já trazias a mosca no ouvido...)

Alexandre O'Neill, Feira Cabisbaixa, Lisboa, Uilsseia, 1965



setembro 06, 2008

Noivado

Estendeu os braços carinhosamente e avançou, de mãos abertas e cheias de ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?

Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu de terem muitos meninos e não serem felizes.
É o que faz a miopia

Mário-Henrique Leiria, Contos do gin-tonic, Lisboa, Estampa, 1973


setembro 04, 2008

Pensos Romenos, s.f.f.

Todos tivemos momentos em que nos cruzámos com simpáticos cidadãos oriundos das nações dos Cárpatos que comerciavam objectos do dia-a-dia. Quer seja o Borda d'Água, a Cais ou pensos rápidos, dificilmente cruzamos uma artéria citadina sem que nos seja proposta a aquisição desses bens essenciais. A referência à Roménia neste caso é explícita e não aponta para qualquer tipo de xenofobia. Ao contrário dos mais destacados intelectuais de esquerda, este autor não tem quaisquer pruridos em referir o país de origem desses indivíduos. Aliás, a omissão desse factor aponta para uma falsa consciência acerca do mesmo. Recusar a designação "romenos" àqueles indivíduos é expurgar-lhes parte da sua identidade. Seria como referir-me a Alberto João Jardim sem destacar o seu refinadíssimo sentido de humor e a boa educação. Um verdadeiro sacrilégio na sacristia da política internacional entre dois estados soberanos, Portugal e a República Popular das Bananas da Madeira. Num dia solarengo e cálido, uma vendedeira de pensos (rápidos) abeirou-se de um cavalheiro numa esplanada. O distinto senhor, sobejamente conhecido pela sua prática alcoólica associada à violência doméstica (um verdadeiro marialva da "classe operária") e pelas apuradas capacidades de direcção de motorizadas indagou à pobre e olorosa rapariga quanto ela auferia diariamente. Num sotaque inconfundível de Sibiu, a ciganita respondeu que ganhava entre dez e quinze euros diários. O senhor apresentou-lhe uma delicada e altruísta proposta: "-E não queres ganhar vinte euros numa horinha?". A rapariga assentiu e ambos se deslocaram a uma casa de banho pública. Apesar de não aparentar qualquer problema de saúde, o senhor devia encontrar-se extremamente ferido. Para gastar vinte euros de pensos e o curativo se prolongar por uma hora, a ferida teria que ser, forçosamente, de grandes dimensões. Possivelmente, teria sido infligida numa rixa entre este e o portão de casa aquando do seu regresso. O marceneiro (não Alfredo) ainda hoje transita na motorizada e na bebedeira. Afinal, a imigração permitiu que se salvasse uma vida. Não são só os médicos da Europa Central e Oriental que nos podem ajudar. Às vezes, basta um penso rapidinho no sítio certo.

setembro 03, 2008

Música

"A música vinha duma mansidão de consciência
era como que uma cadeira sentada sem
um não falar de coisa alguma com a palavra por baixo
nada faria prever que o vento fosse de azul para cima
e que a pose uma nostalgia de movimento deambulante
era-se como se tudo por cima duma vontade de fazer uma asa
nós não movimentamos o espaço mas a vida erege a cifraconstrói por dentro um vocábulo sem se saber
como o que será
era um sinal que vinha duma atmosfera simplificante
silêncio como um pássaro caído a falar do comprimento."

António Gancho, O ar da manhãLisboa, Assírio & Alvim, 1995