Apanho o eléctrico em Campanhã. Peço antecipadamente perdão aos portuenses, mas uma coisa amarela que se desloca sobre carris àquela velocidade é, na minha óptica, um eléctrico. Um 28 mais modernaço e com menos carteiristas. De tal forma que o Carlos do Carmo pondera incluir o fado O Amarelo da Metro do Porto (letra de Valentim Loureiro e música de Leonel Nunes) num dos próximos discos. Uma augusta personagem faz a sua entrada vociferando para todo o mundo e ninguém. Ares de Moisés da Ribeira, profeta de asilos de mentecaptos, olhar imperscrutável. Confesso não ter prestado atenção, visto estar concentrado numa companheira de viagem. De tromba, parecia arrasada por um cilindro do Instituto das Estradas de Portugal. A seu favor, mostrava umas tetas capazes de produzir leite na mesma quantidade que a OPEP extrai crude. Espécime tresloucado, o insano entabula conversação com a carruagem até se fixar em crianças e grávidas, iniciando uma exortação à infância. Qualquer pessoa atenta repara que, actualmente e nas grandes metrópoles (Londres, Nova Iorque, Porto ou Fernandinho), está toda a gente grávida, homens inclusive. É caso para dizer: o Inverno não foi assim tão frio, caramba! O mais bizarro foi o teor da conversa pública. Começando por enaltecer a infância, rapidamente transborda para um: "-E há quem viole crianças! Esses é que deviam ser todos mortos!" Repetidas vezes invectivou contra os pedófilos até que fixou a sua atenção num rapaz de cerca de seis anos (idade atribuída pela proverbial ignorância do autor, que não destrinça entre um porco-espinho e uma criança com gel no cabelo, tendo, amiúde, pontapeado o animalzinho por engano). A partir daí, instalou-se o delírio convulsivo na enunciação de premissas. Alguns comentários totalmente despropositados dirigidos à criança foram: "-Respeita a tua miúda, eu sempre respeitei a minha" ou "-Quando eu ia às meninas, precavia-me sempre, por isso nunca apanhei nada, nem chatos, nem nada!". Na última proposição, a desgraçada mãe ainda procurou tapar os ouvidos ao filho, mas tarde de mais. Parafraseando um dos maiores jornalistas de sempre, funcionário da BBC durante anos e cuja pronúncia do apelido por ingleses causava geral hilaridade entre os seus compatriotas: "-E esta, hein?"
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário