junho 05, 2008

Bestiários


Até este ponto, o blog tem consistido numa romagem de agravados (ou será agrafados?) ou num ainda miudinho bestiário. O termo bestiário designa um universo heterogéneo de publicações que discorrem sobre a fauna. Profusamente iluminados (de grafismos e de razão), contribuiram de forma decisiva para a criação medieval de modelos zoológicos do mundo envolvente. Posteriormente, diversas obras recorreram ao modelo zoológico e taxonómico enquanto matriz generativa das construções semânticas. A emergência dos paradigmas científicos modernos e positivistas e a consequente transferência desses valores para a literatura permanece marcante no estabelecimento do romance-bestiário. La Bête Humaine, romance redigido por Émile Zola e publicado em 1890, evidencia-se no interior dessa tradição. Além de transsubstanciarem os pensamentos em discurso, os autores deste espaço criaram, extemporanea e indavertidamente, um pequenino bestiário da sociedade contemporânea. Simultaneamente, intersectaram-se diversas referências às alimárias e uma metabolização das mesmas numa forma disforme. Os autores posicionam-se num limbo entre bestas e bestiais (nessa mesma ordem e por essa hierarquia de importância). Contudo, nunca se afirmarão bestialistas. Por muito insinuante que o aspecto de algumas ovelhas possa aparentar, em especial enquanto ruminam numa géstica lânguida, essas práticas são assinaladas como doentias e contraproducentes pelos escribas deste blog. O parecer altamente abalizado de Ayatollah Khomeini autorizava a mantença de rotinas sexuais com animais, desde que o bicho em questão fosse sacrificado após o orgasmo. Nem tudo se traduzia em prejuízo pois, apesar da carne impura de uma desgraçada cavalgadura que transitava no local errado no momento inoportuno não poder ser traficada e consumida na aldeia, era permitida a sua transacção em povoações circunvizinhas. Encontra-se finalmente explicada a desconfiança em relação à proveniência da carne comerciada nos mercados actuais. Pergunta: que se passa com o Brasil para exportar tanta carne de vaca? Excedentes produtivos ou abusos reprodutivos? Prosseguindo a senda pedagógica deste espaço, afixamos a ligação para um dos mais acutilantes bestiários da literatura em português, nomeadamente Os gatos, de Fialho de Almeida.

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