junho 30, 2008

Frases I

Se Deus existisse, haveria de ser algo que se visse.

A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

Carlos Drummond de Andrade (O amor natural, Editora Record, 1992)

junho 29, 2008

Neste filme nada se aproveita

As legendas castelhanas a amarelo dão um certo toque de cosmopolitismo serôdio à coisa, mas não consigo referir um único aspecto positivo acerca disto. Porém, um playback legendado noutra língua dá um distintivo encanto a esta superlativa canção, interpretada por um verdadeiro estilista da popular music. Se existissem mais artistas como Manilow, o mundo seria insuportável e Nietzsche estaria errado ao proferir "Ohne Musik wäre das Leben ein Irrtum" (tradução livre - sem música a vida seria um erro, Götzendämmerung oder Wie man mit dem Hammer philosophirt, Verlag von C. G. Naumann, 1889).

junho 28, 2008

Bibi

Este texto não se reporta ao proprietário do anorak vermelho com melhor corte a figurar na televisão. Motorista acusado de, alegadamente, ter "empurrado o cocó" a diversas gerações de crianças desvalidas (que, na sua pobreza de Cristo, trajam exclusivamente roupa de marca). Facilitador de digestões, arguiriam alguns. Aparte maldoso: a Casa Pia de Lisboa mantém um grupo de gaitas-de-foles. Nunca a expressão inglesa blowjob foi mais sabia e adequadamente empregue. Excluindo a libido exacerbada comum a ambos, não se destrinçam elementos partilhados pelos dois Bibis. Basílio de Brito (que subscreve "Bibi" nas suas missivas) é um dos principais personagens do romance O primo Basílio, de Eça de Queirós. Janota, cosmopolita, sofisticado, mefistofélico, luciferino e devasso, embrenha a casta e burguesa prima numa rede de luxúria, metamorfoseando-a numa fodilhona de elevadíssimo coturno. Basílio urdiu uma trama sórdida de desenfado e consequente perdição, tão característica do entediante meio burguês da época. Um passatempo carnal que revela a elevada categoria do gentleman em questão, o qual, podendo optar por uma panóplia de actividades, decide partilhar uma fracção do seu atulhado calendário numa acção de formação da conaça familiar. Derramando os eflúvios da dissolução na prima enquanto o marido desta se encontra num local distante, esse cavalheiro só pode deter um estatuto de eminente herói para o universo masculino. Lanço aqui um apelo a todas matulonas que mantêm um enfadado casamento a abrir as bem torneadas e depiladas gâmbias aos amanuenses resposáveis pelo presente pasquim. Por favor, não encarem esse acto como vilipêndio aos sagrados votos enunciados na presença do Senhor (e na ausência destes senhores em particular), mas como uma espécie de mecenato cultural. De momento, poucas coisas poderiam agradar sobremaneira aos presentes escribas como longas sessões de pouca-vergonha no entrepernas de belas mulheres casadas. Isto porque, se emergir alguma turbação no horizonte da relação torna-se sempre possível sugerir-lhes a frutuosa actividade de "andar de baloiço nos cornos do marido". Na galeria queirosiana dos horrores, os editores do presente espaço admitem partilhar traços comuns com diversas personagens, sendo um misto do sobredito Basílio de Brito, João da Ega e Fradique Mendes. Qualquer dia, os autores também serão cônsules em Newcastle como tu, meu caro José Maria...


junho 27, 2008

Balofas carnes de balofas tetas

Balofas carnes de
balofas tetas
caem aos montões
em duas mamas pretas
chocalhos velhos a
bater na pança
e a puta dança.

Flácidas bimbas sem
expressão nem graça
restos mortais de uma
cusada escassa
a quem do cu só lhe
ficou cagança
e a puta dança.

A ver se caça com
disfarce um chato
coça na cona e vai
rompendo o fato
até que o chato
de morder se cansa
e a puta dança.


António Botto

(Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica – organização de Natália Correia e ilustração de Cruzeiro Seixas, Afrodite, 1966)

junho 26, 2008

"Isto é verídico!"

Apanho o eléctrico em Campanhã. Peço antecipadamente perdão aos portuenses, mas uma coisa amarela que se desloca sobre carris àquela velocidade é, na minha óptica, um eléctrico. Um 28 mais modernaço e com menos carteiristas. De tal forma que o Carlos do Carmo pondera incluir o fado O Amarelo da Metro do Porto (letra de Valentim Loureiro e música de Leonel Nunes) num dos próximos discos. Uma augusta personagem faz a sua entrada vociferando para todo o mundo e ninguém. Ares de Moisés da Ribeira, profeta de asilos de mentecaptos, olhar imperscrutável. Confesso não ter prestado atenção, visto estar concentrado numa companheira de viagem. De tromba, parecia arrasada por um cilindro do Instituto das Estradas de Portugal. A seu favor, mostrava umas tetas capazes de produzir leite na mesma quantidade que a OPEP extrai crude. Espécime tresloucado, o insano entabula conversação com a carruagem até se fixar em crianças e grávidas, iniciando uma exortação à infância. Qualquer pessoa atenta repara que, actualmente e nas grandes metrópoles (Londres, Nova Iorque, Porto ou Fernandinho), está toda a gente grávida, homens inclusive. É caso para dizer: o Inverno não foi assim tão frio, caramba! O mais bizarro foi o teor da conversa pública. Começando por enaltecer a infância, rapidamente transborda para um: "-E há quem viole crianças! Esses é que deviam ser todos mortos!" Repetidas vezes invectivou contra os pedófilos até que fixou a sua atenção num rapaz de cerca de seis anos (idade atribuída pela proverbial ignorância do autor, que não destrinça entre um porco-espinho e uma criança com gel no cabelo, tendo, amiúde, pontapeado o animalzinho por engano). A partir daí, instalou-se o delírio convulsivo na enunciação de premissas. Alguns comentários totalmente despropositados dirigidos à criança foram: "-Respeita a tua miúda, eu sempre respeitei a minha" ou "-Quando eu ia às meninas, precavia-me sempre, por isso nunca apanhei nada, nem chatos, nem nada!". Na última proposição, a desgraçada mãe ainda procurou tapar os ouvidos ao filho, mas tarde de mais. Parafraseando um dos maiores jornalistas de sempre, funcionário da BBC durante anos e cuja pronúncia do apelido por ingleses causava geral hilaridade entre os seus compatriotas: "-E esta, hein?"

junho 25, 2008

Mihi irruma et te pedicabo

Um requesto frequente por parte de uma caterva de ávidos leitores tem sido textos que comportam três elementos: qualidade, religiosidade e locuções latinas. No que toca ao primeiro aspecto, os autores afirmam que, ao contrário de outros espaços, remetem, exclusivamente, para textos de qualidade superior ao próprio blog (o que, aparentemente, se traduz num manancial inesgotável de obras). Quanto à religiosidade, este fórum pretende publicitar uma perspectiva agnóstica, senão blasfema. Consequentemente, torna-se explicável  e verosímil a ausência de artigos desse teor (apesar da esfumada e rebuscada alusão à Opus Dei no último texto publicado). Realmente, os autores acusam o toque (linguagem esgrimística ou de Declaração Amigável) em relação às expressões latinas. Daí o devir do título do presente artigo, que, livremente vertido para língua portuguesa significa: faz-me um broche e eu enrabo-te. Ou, colocado de forma mais erudita: pratica sexo oral comigo, que eu retribuo com a introdução da minha verga pelo teu orifício anal acima. Tradução a meio-termo: faz-me um fellatio (a mais prazenteira locução latina), que eu rasgo-te o esfíncter à martelada. Expressão unissexo, que demostra a liberalidade de costumes, quer da Roma Antiga quer dos latinistas posteriores, a Igreja Católica. Neste caso em particular, os autores defendem o recurso a dois sexos diferentes e a uma distribuição específica de papéis nessa prática, reforçando a asserção náutica de que não atracam de popa. De forma a incluir textos de qualidade, de vincada edificação religiosa e abundantes em expressões latinas bíblicas, fica o elo para as primeiras edições dos Sermões de Padre António Vieira. Figura central na afirmação da dinastia de Bragança enquanto poder régio em Portugal e incansável defensor dos direitos das minorias brasileiras face à colonização. De tal forma que o presente autor, apesar de não dispôr de óculos de massa nem frequentar a ZDB (uma dolorosa declaração de interesses, tal como é requerida pelos mais conceituados órgãos de informação - Público, Diário de Notícias e Maria), assistiu ao filme de Manoel d'Oliveira sobre o prelado (Palavra e utopia, Madragoa Filmes, 2000). O traço que suscita maior preocupação é o conflito de cânones entre a apreciação individual do presente escrevinhador e a vox populi (olh'á expressão latina fresquinha!) concernente à obra do velho e rijo realizador. Para citar o próprio Vieira nas obras para as quais encaminhamos o estimado leitor: "A cegueira que cega cerrando os olhos, não é a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas: e tal era a dos Escribas e Fariseus. Homens com os olhos abertos e cegos. Com olhos abertos, porque, como letrados, liam as Escrituras e entendiam os Profetas; e cegos, porque vendo cumpridas as profecias, não viam nem conheciam o profetizado".


 

junho 24, 2008

Feira Popular

Descendo a ladeira do liceu, deparávamo-nos com os jardins da Biblioteca Nacional, onde se encontravam alguns espécimes no atarefado lavor de esgalhar fortemente o pessegueiro à passagem de liceais dotadas com traseiros compactos ou bugalhudos e entumecidos seios. Tarefa árdua, em especial durante a canícula do Verão, quando a exposição solar e a fricção poderiam ocasionar queimaduras de segundo grau no caralho e incómodos tufos de pêlo nas mãos. À direita, uma enigmática moradia, pertença de uma agremiação de indivíduos tementes a Deus e amantes do cilício que ostenta um nome latino (o presente escriba confessa nunca ter entrevisto João Bosco Mota Amaral nas imediações, apesar desse facto implicar uma falta tremenda na sua formação). Chegados à feira e após um assédio por parte dos funcionários dos espaços gastronómicos, manifestação única de um marketing agressivo, paparoca na mesa. Chegam as batatas fritas aglomeradas com SuperCola 3 e a argamassa comercializada com o epíteto de "arroz", faustosamente servidas pelo Seboso e apresentadas como iguaria de luxo num restaurante conceituado. Obviamente, deram-se alguns casos embaraçosos de intoxicações alimentares, distintas umas das outras pela coloração e consistência do gregório, numa espécie de arco-íris de vómito. Como se pode facilmente depreender, o Seboso era um empregado cuja higiene pessoal se converteu num paradigma para a comunidade comensal. Impermeabilizado por uma pasta de gordura, o seu cabelo (ou capacete) destacava-se na multidão na forma de manifestos e ostensivos orgulho e rigidez. Após a opípara refeição, os matrecos. Utilizando bolas de forma cúbica (um verdadeiro prodígio da geometria que merece o estudo de cientistas que investigam a quadratura do círculo, encontrando-se obviamente excluídos os responsáveis pelo programa homónimo transmitido pela SIC), ocupávamos o tempo de forma construtiva e vocabularmente enriquecedora. Ocasionalmente, o espaço era frequentado por cavalheiros de alto gabarito da região demarcada das Galinheiras, que nos espoliavam dos trocos enquanto atiravam o afectuoso e rebuçado de meiguice "-Eu chino-te, cabrão!". Uma naifa refulgia no ar em reflexos de sardinha assada de quando em vez, intimidando os circunstantes e glorificando os meliantes. Actualmente, liceu e feira são pilhas de entulho de memórias e tijolo...E agora, Lisboa?

junho 22, 2008

Solilóquios da Vulva

Esta artigalhada pretende denunciar diversas fraudes ocorridas no passado recente. Uma das mais desapontantes surpresas na vida do autor foi a apresentação de Os Monólogos da Vagina no Casino Estoril. Um indivíduo agrupa um grupo de elementos do sexo masculino, pratica uma bárbara refeição e desloca-se ao teatro. Aquando da chegada, depara-se com uma burla qualificada: o espectáculo consiste numa actriz a declamar textos com a boca. Balde de água fria. Afinal, tratava-se de uma peça de teatro da autoria de Eve Ensler. Se, por um lado, fizeram constar ao autor que existiam "atletas vaginais" de todas as estirpes a circular pela Internet, sempre permaneceram dúvidas acerca da capacidade desse órgão na articulação de um discurso coerente. Expelir bolas de ténis de mesa (e não do popularucho pingue-pongue), engolir tacos de basebol ou emanar flatulência, tudo bem. Agora, falar? E pior, já não basta uma mulher falar com a boca, ainda se encontraria dotada de uma espécie de boca secundária. As admoestações bucais não serão suficientes, têm que ser reforçadas pela vagina? Transformar uma área nobre das mulheres numa vulgar fonte de fofoca e coscuvilhice? A ideia não é, contudo, nova. Já Denis Diderot redigiu o romance Les bijoux indiscrets (anonimamente publicado em 1748) focando esse assunto. Revoltante é a publicidade enganosa em torno de Os Monólogos da Vagina. Quantos espectadores terão sido ludibriados por esta falsidade? Mais ou menos que os que pagaram o seu ingresso para assistir a Aniki Bobó e verificaram, já com a porta fechada e encurralados pelo breu da sala, que Anikis há muitos, mas Bobós nem vê-los! Pior que isso, só aquando da deslocação realizada especificamente para assistir a Pinóquio e o Grelo Falante. A subsequente constatação da existência de uma gralha tipográfica fez desmoronar todos as expectativas criadas em torno do espectáculo. Na assistência, encontrava-se uma quantidade enorme de crianças dispersa em molhos de brócolos e alguns adultos que, claramente, foram levados ao engano pelo mesma razão que o autor. Mais literacia e menos aldrúbias, se faz favor!


junho 18, 2008

Dia da Raça

Em solidariedade com o nosso glorioso e sábio Presidente da República, uma autêntica orquestra formada exclusivamente por cavaquinhos, espécie de devaneio ao género Portugal dos Pequenitos para rir. Neste caso maviosos e harmónicos. E, particularmente, sem bombas de gasolina em Boliqueime. O combustível está demasiado caro para os autos-de-fé. Se o supremo magistrado na Nação se referia à Raça da I República ou à Raça do Estado Novo, ninguém sabe. Pessoalmente, presumo que se refira à Peugeot de "O leão mostra a sua raça." O slogan mais difundido pela cultura de massas enquanto o Sr. Silva atestava depósitos.

junho 17, 2008

Trabalho de Actriz

Acho que estou apaixonado...

Armazenar

De acordo com reclamações recebidas, o teor deste blog não tem atingido os mínimos olímpicos da javardice. Ansiamos que essa falta seja suprida com este textículo. Após o visionamento de um fabuloso documentário sobre o sistema digestivo das aves, ocorreu-me uma epifania. Se as avezinhas, tão mal situadas na cadeia evolutiva, são dotadas de uma dilatação no esófago (vulgo "papo") para armazenar temporariamente alimento antes de um estômago muscular (conhecido por "moela" - cá está uma alusão às miudezas) o digerir posteriormente, porque é que o ser humano, em especial a mulher, perdeu essa estrutura? De momento, sobressaem-me milhentas utilidades para esse órgão. Uma dessas seria facilitar a regurgitação de alimento para a alimentação da prole (e Deus sabe quantas vezes tivemos que consumir refeições que tanto se assemelham a vómito de pássaro). Paralelamente, esse órgão permitiria um estádio intermédio entre o "cuspir" e o "engolir", possibilitando uma espécie de refeição diferida ou um late-night snack à base de langonha, para as mulheres interessadas. Com as inovações da Ciência, talvez se tornasse possível implantar uma espécie de sistema de refrigeração, de forma à batida de coco se servir sempre bem geladinha. Utilidade igualmente relevante seria a possibilidade de reaproveitamento, pois num período de valorização da reutilização, o "Rien ne se perd, rien ne se crée, tout se transforme" de Lavoisier toma proporções completamente distintas. Caro Charles Darwin, evolução o caralho!

junho 16, 2008

Porcarias literárias

O moralismo de matriz burguesa emergente a partir do final do século XVI veio a determinar cânones estéticos que se enraizaram por um extenso intervalo cronológico. Associado a dispositivos censórios de forte carga religiosa, esses elementos condicionaram de forma marcante a produção artística da época. Tendo em conta os comportamentos do clero da altura, cuja libertinagem e dissolução fizeram as delícias de todos os orifícios de jovens ou idosas criadas, um paradoxo configura-se. As vítimas desse draconiano e multiramificado processo foram sendo imoladas pelo fogo por toda a Europa, num churrasco crepitante de opiniões. Contudo, o refluxo dessas práticas continua bem presente na actualidade. Por outro lado, alguns autores transformaram a transgressão racional dos moralismos numa forma de arte. Uma das figuras fulcrais nessa prática foi Donatien Alphonse François de Sade que, além das suas preocupações de marquês, se dedicou à escrita e prática de uma moralidade intrínseca à sua natureza. Abordando uma panóplia de situações, nas quais o poder é integrado numa perspectiva coreográfica mecanicista (Roland Barthes, Sade, Fourier, Loyola, Tel Quel-Seuil, 1971) ou a negação racional da moralidade enquanto acto subversivo e autonomizador do sujeito burguês (Theodor W. Adorno; Max Horkheimer, Dialektik der Aufklärung, Querido, 1947), a obra do Marquês foi prontamente censurada e o infeliz autor encarcerado por muitos e bons anos. Nesse período, toda a porcaria jorrou em golfadas brutais. Choveu merda na Europa e as monarquias abriam a boca para a tragar (alusão encapotada a Salò o le 120 giornate di Sodoma, filme realizado por Pasolini em 1975, inspirado no romance Sádico Les 120 journées de Sodome ou L'École du Libertinage). Pedagogicamente, aconselho vivamente a obra do Marquês, visto ser altamente formativa. Desde as situações em que jovens e ingénuas ninfas eram ferozmente abusadas às orgias colectivas do "salve-se quem puder; quem não puder, que se foda!". A abordagem explícita a práticas sexuais era integrante do património literário desde cedo, mas Sade potenciou-a a expoentes infinitos. Como autor de um blog de javardices, fica neste espaço o mais sentido tributo a um dos escritores que tratou de forma mais literária a grosseria da sociedade. Já que o presente escriturário nunca irá atingir o Parnaso da excelência na escrita, remete para um exemplo da qualidade poiética da obra Sádica. Para ler o romance Histoire de Juliette ou Les Prospérités du Vice, clicar ici.

junho 14, 2008

Velhos Rijos

A expressão "velho rijo" utiliza-se para denominar um indivíduo de idade avançada em boa forma física. Quando ouço essas palavras recordo-me imediatamente de Kirk Douglas ou Clint Eastwood. No que toca à carne de determinados animais, configura-se um correlação interessante entre idade e dureza. Com a presente alusão, os autores afirmam que não aconselham o canibalismo ao estilo "Família Feliz", mas alertam para alterações ao tempo de cozedura aquando do estufado de indivíduos mais idosos, acompanhado da consequente perda de nutrientes. Velho Rijo (um verdadeiro pleonasmo culinário) é a locução mais indicada para caracterizar uma distinta personalidade interveniente no percurso deste autor. Pessoa de provecta e sábia idade, capaz das mais intempestivas e inusitadas expressões, obsessivamente relacionadas com sexo. Enquanto enxames de crianças perambulavam em direcção à escola, a individualidade em questão sustinha-nos e efectuava perguntas ou comentários verdadeiramente desconcertantes. O espectro expressivo do indivíduo era sumptuoso, iniciado pelo "-Tens comido muitas gajas?" (manifestamente dirigido a alunos de 10, 11 anos), esticando-se ao diamantino "-Dói-me o braço. Ontem, apertei muito com ele."A imagem de um encanecido idoso pendurado no santo varão a contorcer-se em esgares de senil ventura. Que melhor imagética pode ser promovida para a infância? Amorável criatura, desenvolveu uma relação com a mulher de tal forma sensível que, aquando da sua morte, comentava: "-A mim faz-me falta, mas o pior é para ele" enquanto mirava embevecido a braguilha aberta de onde espreitava um cogumelo careca, sentinela atenta ao mundo circunvizinho. Simultaneamente, esboçava abertos sorrisos ao transitar uma fêmea de exacerbado peito e reduzida dentição. Velho rijo, como poucos. Uma questão que se me coloca relaciona-se com a idade e a devassidão. Pelos vistos, existe uma relação de proporcionalidade directa entre as duas grandezas. Apelo, encarecidamente, a possíveis leitores cuja área de interesses se relacione com esta temática. Quem sabe, o próximo Nobel virá para Portugal. O autor espera, com sinceridade, que Kirk Douglas ou Clint Eastwood pratiquem um comportamento do estilo, o que só lhes conferiria um magnífico respeito. Com boné de fazenda e mão no bolso das calças roto a partir do interior, obviamente.

junho 11, 2008

No Comment

Banalidades

Clichés, lugares comuns, chavões. Grande parte da interacção social transcorre da aplicação e cristalização dos mesmos. Nas mais diversas áreas sedimentaram-se locuções destinadas a simplificar o árduo processo de comunicação. A ilusão de partilha de referências através da exaustiva repetição de expressões auto-evidentes e, por vezes, totalmente esvaziadas de qualquer significado inteligível transforma as dinâmicas comunicativas numa simples troca de desgastadas manifestações. Os lugares-comuns encontram-se firmemente enraizados nos diversos campos, dotados de jargões específicos. Por exemplo, no elemento amoroso a expressão "Não consigo viver sem ti" encontra-se de tal modo erodida, que proponho a sua substituição por "És o estrume em que germina o meu amor". Metáfora rural num país agrícola, inspirada por José Mário Branco (Ser Solidário, 1982). No campo do futebol (e ele a dar-lhe), basta ver os comentários dos espectadores da Liga dos Últimos para compreender a emulação dos modelos promovidos por diversos jornalistas e paineleiros pelos espectadores desanimados. Quando assistimos aos adeptos de um clube militante das distritais (cujas instalações desportivas se resumem a um recinto pelado e a meio bidão para assar couratos) comentar: "a basculação lateral na transição defesa-ataque tem que melhorar" inquirimos sobre que tipo de cogumelos andam aqueles senhores a consumir. Mijando no penico da política, a diminuição do peso do Estado e a agilização de processos burocráticos continuam a ser propalados. Para quando um político que consolide o lugar-comum canonizado pelo inefável Alberto João Jardim: "Estou-me a cagar para Lisboa. Quero que a Assembleia da República se foda"? Isso sim, seria uma frase promocional fabulosa nas próximas eleições autárquicas. Contudo, a substituição do Lebenswelt (ou mundo vivido, cf. Edmund Husserl, Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzentale Phänomenologie, Philosophia, 1936) por slogans publicitários traz enormes benefícios ao colectivo. Já imaginaram a trabalheira que seria ter opiniões próprias sobre diversas temáticas? E o bloqueio comunicativo que daí poderia advir? Que cafés seria possível frequentar sem temer pela segurança? Quanto a isso, não será nosso objectivo fornecer respostas, visto estas constituírem igualmente lugares-comuns. Outro estádio do mesmo processo é a galopante mudança de paradigmas sociais. Actualmente os segmentos comunicacionais não recorrem ao lugar-comum, metabolizam-no e transformam-se eles mesmos em clichés. Ser um Lugar-Comum. Desde o teatro popular renascentista à ópera cómica que os modelos dramatúrgicos se centram na enfatização de estereótipos imediatamente reconhecíveis (Paolo Gallarati, Musica e maschera, EDT, 1989) e como:

"All the world's a stage,
And all the men and women merely players: 
They have their exits and their entrances; 
And one man in his time plays many parts,
His acts being seven ages."

(Wiilam Shakespeare, As You Like It, 1598-99)

junho 10, 2008

Vértice da água

O futebol tem sido uma matéria ferozmente negligenciada neste blog. Aparte dos dirigentes alcandorados a um elevadíssimo estatuto, o projector de palco não iluminou a maioria dos agentes envolvidos nessa indústria de massas (esparguete, aletria, talharim ou conchinhas). De forma a combater esse atroz preconceito, os autores empenham todo o seu ardimento na difusão de conhecimento relativo a esse desporto.



Escrita
em tarde
de desastre

ao cair da fronte

a fracturar-se
contra o vértice


das palavras rasas

(Artur Jorge, Vértice da água, Edições "O Jornal", 1983)

junho 09, 2008

Viver Mata

"- Era um descafeínado com adoçante, ó fachavor!". Constatei que se encontrava à minha beira um verdadeiro Gil Eanes de subúrbio, intrépido e extemporâneo clone do navegador de regiões indómitas que dobrou o Bojador em quatro, sobraçou-o e veio entregá-lo a D. Duarte. Numa altura de amplificada comercialização de produtos esbulhados dos seus ingredientes nefastos (ver, por exemplo, Slavoj Zizék, A Cup of Decaf Realityaqui) e de promoção de estilos saudáveis de vida, emerge um contrasenso. Viver mais e melhor implica uma renúncia à própria vida? Pelos vistos, na opinião ajuizada pelo Gil Eanes de balcão, a resposta é efectivamente afirmativa. O autor confidencia a anutrição da mínima fímbria de respeito por esse tipo de indivíduos cujo núcleo das práticas consumistas se foca em objectos virtuais amputados da sua essência. Dados os horizontes expandidos no que toca à selecção e escolha constituintes da sociedade actual, encontram-se pessoas cujas preferências gustativas recaem sobre o descafeínado em detrimento do café. Que mais poderá estar reservado para o futuro: ingerir vinho sem álcool, melancias sem grainhas, um Benfica que sabe jogar à bola, um Jorge Lima Barreto virtuoso do teclado? O Apocalipse manifesta-se ao virar da esquina (e numa esquina do Cais do Sodré, claro está). Um aspecto inquietante da correnteza dessas práticas é o alastramento da descafeinização às diversas esferas da vida humana e consequente colonização da vida privada pelos mitos da salubridade (Baudrillard, Jean, Pour une critique de l’économie politique du signe, Paris: Gallimard, 1972). Daí o autor defender um boicote internacional ao descafeínado, aos adoçantes e à cerveja sem álcool. Antes que seja tarde demais. Termino com a inclusão de um sábio provérbio galego: "para pescar o rodaballo hai que mollar o carallo".

junho 08, 2008

I Just Called to Say I Love You



I just called to say how much I care...

Em todas as ruas te encontro


Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
Mário Cesariny (Pena capital, Contraponto, 1957)

junho 05, 2008

Bestiários


Até este ponto, o blog tem consistido numa romagem de agravados (ou será agrafados?) ou num ainda miudinho bestiário. O termo bestiário designa um universo heterogéneo de publicações que discorrem sobre a fauna. Profusamente iluminados (de grafismos e de razão), contribuiram de forma decisiva para a criação medieval de modelos zoológicos do mundo envolvente. Posteriormente, diversas obras recorreram ao modelo zoológico e taxonómico enquanto matriz generativa das construções semânticas. A emergência dos paradigmas científicos modernos e positivistas e a consequente transferência desses valores para a literatura permanece marcante no estabelecimento do romance-bestiário. La Bête Humaine, romance redigido por Émile Zola e publicado em 1890, evidencia-se no interior dessa tradição. Além de transsubstanciarem os pensamentos em discurso, os autores deste espaço criaram, extemporanea e indavertidamente, um pequenino bestiário da sociedade contemporânea. Simultaneamente, intersectaram-se diversas referências às alimárias e uma metabolização das mesmas numa forma disforme. Os autores posicionam-se num limbo entre bestas e bestiais (nessa mesma ordem e por essa hierarquia de importância). Contudo, nunca se afirmarão bestialistas. Por muito insinuante que o aspecto de algumas ovelhas possa aparentar, em especial enquanto ruminam numa géstica lânguida, essas práticas são assinaladas como doentias e contraproducentes pelos escribas deste blog. O parecer altamente abalizado de Ayatollah Khomeini autorizava a mantença de rotinas sexuais com animais, desde que o bicho em questão fosse sacrificado após o orgasmo. Nem tudo se traduzia em prejuízo pois, apesar da carne impura de uma desgraçada cavalgadura que transitava no local errado no momento inoportuno não poder ser traficada e consumida na aldeia, era permitida a sua transacção em povoações circunvizinhas. Encontra-se finalmente explicada a desconfiança em relação à proveniência da carne comerciada nos mercados actuais. Pergunta: que se passa com o Brasil para exportar tanta carne de vaca? Excedentes produtivos ou abusos reprodutivos? Prosseguindo a senda pedagógica deste espaço, afixamos a ligação para um dos mais acutilantes bestiários da literatura em português, nomeadamente Os gatos, de Fialho de Almeida.

junho 04, 2008

Soneto

Dezarrezoado amor, dentro em meu peito
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força, faz, desfaz,
sem respeito nenhum, e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.

Doutra parte a razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo: em fim vem o seu dia.

Então não tem lugar certo onde aguarde
amor; trata traições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?

Sá de Miranda


junho 03, 2008

Lembranças Caldenses

As Caldas da Rainha foram definidas por Luiz Pacheco da seguinte forma: "É uma terra muito bonita que tem um parque muito catita." ou "é a terra onde melhor se caga porque é a terra onde melhor se come." (O caso das criancinhas desaparecidas, Círculo de Leitores, 1981). Para o autor, é uma terreola onde se cruzam diversos aspectos das suas memórias. Obnubiladas pela estratificação sedimentar da passagem do tempo, as rememorações dessa cidade integram-se num processo de reavaliação de um passado inexistente, tal como um mau romancista o empreenderia. Mencionando en passant o jardim, no qual idosos e infantes ocupam parte das sua faina diária de tonturas de barata (e onde se pode remar furiosamente até a exaustão) e as famigeradas cavacas, as Caldas oferecem outros atractivos. Um elemento cultural centrípeto neste localidade é a cerâmica. O leitor ter-se-á automaticamente lembrado de determinados objectos de olaria de configuração fálica. Não será, de todo, a presente abordagem, pois seria demasiado imediato num texto desta natureza. Na década de 80 do século XIX, foi aí fundada a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, actividade coordenada pelo artista plástico e publicista Rafael Bordalo Pinheiro. Cedo se estabeleceu no panorama nacional pelas suas faianças decorativa e artística. Paralelamente, nas Caldas nasceu José Malhoa, esborratador de telas. Não confundir, por favor, com o malabarista da glote e pai de uma boneca insuflável que lançou o fonograma intitulado Eu vou a todas (Espacial, 2005). Gargantas à parte, a cidade das Caldas dispõe de recentemente reactivadas termas indicadas para o tratamento de variadas maleitas do foro respiratório, reumático e dermatológico. O autor desconhece os tratamentos efectuados, pois o âmbito de actividade das milagrosas águas não abrange doenças venéreas. Paralelamente, germinou uma instituição de ensino superior empenhada em formar e creditar alguns freaks para as diversas áreas da vida artística nacional. Escusado será dizer que o mais valioso contributo que esses agentes poderiam, eventualmente, entregar ao meio cultural autóctone seria a transformação de amálgamas informes de argila em modelos perfeitos da genitália masculina. Com paciência e algum engenho, tornar-se-ia aceitável legitimar a cerâmica fálica como uma alegoria off para o Dasein heideggeriano, em que o Homem desamparado é lançado ao Mundo (Sein und Zeit, 1927). Este texto consistiu numa extensa enumeração de lugares-comuns. Pedimos desculpa a António Vitorino pela usurpação da metodologia que tanto nos encanta nas noites de Segunda-Feira da RTP. À semelhança de certos documentários patrocinados pelo serviço público televisivo (financiado pelo contribuintes e anunciantes), desconhecemos se este périplo turístico pelas localidades lusas irá prosseguir em próximas edições.

junho 02, 2008

Early afternoon tampaxes

A insuficiência de materiais educativos destinados às crianças neste espaço é gritante. Esse facto levou-nos a tentar suprir essa lacuna. Tendo em conta o celeuma originado há algum tempo pela TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário) e, menos distanciadamente, pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os autores entendem que o seu papel na preservação e difusão da língua (portuguesa, inglesa, francesa, de vaca ou vitela) implica a assumpção de posições de conteúdo pedagógico. Dessa forma e à semelhança de um programa de televisão, disponiblizamos uma sequência videográfica didáctica versando algumas expressões basilares da Língua Portuguesa (sim, em maiúsculas, pois o português não é coutada particular de Vasco Graça Moura) com as quais esperamos educar os petizes mais vivazes. Quanto às outras crianças, queremos, sincera e visceralmente, que se fodam (este período não deve ser interpretado com qualquer intenção de promoção da pedofilia e os autores recusam a responsabilidade num eventual ilícito instigado pela leitura do mesmo). Ponto final, paragraphe!

Literatura de Parede

Neste espaço de relevante missão informativa irei discorrer sobre literatura de parede. Desenganem-se os leitores mais versados e cosmopolitas, pois o autor não realizará uma divagação sobre essa praga que assola transversalmente o espaço público nacional (ver Between Facts and Norms, de Jürgen Habermas, MIT Press, 1992), o graffiti. Por muito interesse que suscite o decalque de práticas artísticas urbanas de sociedades pós-industriais e pós-modernas por países pré-desenvolvidos e pré-letrados, os MC's da horta e as beatboxes do arado terão que aguardar que o foco desta ribalta se lhes aflore em momento oportuno. Quando me refiro a literatura de parede, aponto os aforismos redigidos nas paredes e portas de casas de banho públicas. Em qualquer terminal de transportes o leitor encontrará genuínas filigranas de sabedoria, nacaradas no decorrer dos momentos mais atreitos à meditação filosófica. Não será por acaso que Rodin decidiu colocar O pensador naquela posição específica. Paralelamente à divulgação de identificações e contactos para práticas sexuais pouco ortodoxas (o autor não apresenta reservas no que toca a actividades sexuais não ortodoxas, mas apenas não partilha do entusiasmo dos escribas latrinários acerca das afixadas, tanto mais por envolverem dois ou mais elementos do sexo masculino), são editados textos de ordem vária.
 

Sociologia, Filosofia, Antropologia, Psicologia incluem as temáticas preferenciais desses Walter Benjamins de sentina. Algumas gemas finamente lapidadas foram transferidas para as superfícies desses espaços por via da caligrafia (exemplos do melhor cursivo inglês encontram-se expostos nos locais mais inusitados) ou do entalhe. A omnipresença de reflexões penetrantes como "Se tens amor á nação, põe no cu o que tens na mão!" (citação conforme o original, ortografia inclusive) ou "Lá fora és o maior, mas aqui cagas-te todo", ambas de autor incógnito, nos recintos de introspecção estimula grandemente a criatividade alheia. Contudo, o universo discursivo nesses espaços públicos (cá está o Habermas outra vez) é heteróclito e altamente abrangente. Prova da abundância de temáticas e léxicos ocorrente nesse género literário é a interessante compilação de textos realizada por André Vasques e intitulada Um presente de ânus - Antologia da Poesia de Retrete (Garrido Editores, 2002). Essa selecção apresenta uma panorâmica alargada sobre textos encontrados e produzidos em casas de banho, demonstrando que persistem, em paralelo, diversas categorias de concreção (e excreção) nesses refúgios. Sic transit gloria mundi.