Que a iliteracia é um dos principais factores de atraso de Portugal é um dado suficientemente discutido, graças ao apurado sentido de serviço cívico de Maria Filomena Mónica. Graças às fantásticas evoluções tecnológicas no campo educativo, será possível a todos os alunos da primária ter um computador para crianças. Para utilizar o jargão altamente técnico das Ciências da Educação, essa solução aparenta ser "porreira, pá". Contudo, para quê pôr as criancinhas a mexer num computador para putos, quando estas já se entendem com essas máquinas de forma mais profícua que a maioria dos crescidos e ensinam os paizinhos a ler o relevantíssimo A Bola ou a localizar pornografia no Google (passe a referência à marca)? Mistério. No fundo, seria equivalente a oferecer uma bicicleta com rodinhas a Eddy Merckx. Concerteza ficaria igualmente grato e desconcertado pela oferenda. E um computador chamado Magalhães é coisa que se apresente? Rodrigues, Santos ou Ferreira seriam designações muito mais "tugas". A título de curiosidade (e passe o ataque à magificientíssima governação dolcista-gabbanista de Portugal, ideologia na qual somos pioneiros), fica um "justo, honesto, coerente, imparcial" (Capitão Moura, Liga dos Últimos, RTP 2008) local da rede respeitante ao único, singular, exclusivo e original Magalhães. Como o texto indica, é um computador barato e "destinado a crianças de países em desenvolvimento". Ou seja, Portugal encontra-se na vanguarda tecnológica dos "países em desenvolvimento" e, ainda assim, manifesta a distinta lata de armar ao pingarelho. O Dr. Goebbels do actual governo está a desleixar-se ou a ingerir couratos como se o amanhã não existisse, acompanhados por umas "mines" e burriés nasais. Este alongado preâmbulo serve para introduzir o tema da iliteracia na vida quotidiana. Encontrava-se o presente autor a consumir uma chávena de lama quente ao balcão de um honrado estabelecimento comercial quando se deu a aparição de uma velhinha disforme com uma camisola na qual estava inscrita a palavra "Diva". Quando o presente diarista ouve essa expressão, logo a sua memória associativa remete para Maria Callas, Monica Vitti, Lauren Bacall ou Nuno Guerreiro. Iliteracia ao mais alto grau? A senhora tem uma Casa dos Espelhos como a saudosa Feira Popular? Nunca saberemos com absoluta certeza se era um problema de literacia ou oftalmologia. Contudo, pululam nas localidades portuguesas centenas de dísticos em camisolas que apenas podem ser considerados sinais da fina ironia e sentido de humor das pessoas que os usam. Ansiamos pelos resultados do programa de ensino do Inglês no Ensino Básico. Será verdadeiramente comovente assistir a Macbeth apresentado na língua original numa récita escolar em Fornos de Algodres.
«Os estudantes e as suas famílias reagiram simplesmente aos estímulos que lhes foram administrados. E esses estímulos passaram todos, até há pouco tempo, por um sistema de ensino em que a inclusão era mais importante do que a qualidade, e a auto-estima mais importante do que o esforço disciplinado. Em poucas áreas os equívocos foram maiores do que no ensino. Em Portugal, inquéritos à origem social dos estudantes e contas sobre o rendimento previsível dos licenciados levaram sistematicamente à ideia de que um diploma era um "privilégio": para os bem-aventurados, era uma forma de se reproduzirem; para os outros, um meio de ascenderem. Era de facto assim. Mas a partir daí imaginou-se que a questão era expandir esse "privilégio" administrativamente, da maneira mais barata e expedita. A facilidade passou a ser encarada como um princípio de justiça social. A mínima referência à qualidade levava a suspeitas de "elitismo".»
Rui Ramos, Público, 28 de Setembro de 2006
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