"Reina a canalha mais vil/neste branco, verde e tinto"
(João Ferreira-Rosa, "Portugal foi-nos roubado" in
Ontem e Hoje, EMI-VC, 1996)
Era uma vez um condado estrategicamente localizado próximo de uma das mais ocidentais praias lusitanas (desculpa lá, ó zarolhão, mas tu não tiveste culpa de ser tão bom naquilo que fazias). Do alto de uma fraga, um sólido castelo mirava em redor. A mata de sobreiros estendia-se para o meio-dia e pelas suas copas soprava uma aragem húmida trazida pelos ventos marítimos. O território diminuto encontrava-se sob as ordens de uma terrível dinastia de senhores feudais, encabeçados por um aristocrata hirsuto, extraído de um romance de Walter Scott. Na corte pontificavam os mais respeitáveis e ilustres indivíduos, com destacada mercê para aqueles com uma língua especialmente instruída nas técnicas de lamber botas com frequência, brio e afinco. A outra facção mais representada não era a dos homens-bons nem a da arraia-miúda, por estranho que possa aparentar. Desde imemoriais tempos visigóticos, os bobos da corte alcandoraram-se num primaz lugar no condado. Este modelo de corte assumiu caracteres distintivos dos congéneres durante os processos simultaneamente pulverizadores e aglutinadores promovidos pelas chamadas monarquias feudais (Jacques Le Goff, L'Europe est-elle née au Moyen Âge?, Paris: Éditions du Seuil, 2003). Os bobos ocupavam um espaço destacado nas cortes medievais. Contudo, poucas dessas os incluíam na cúria, entidade responsável pela administração do território. No recôndito condado, a cúria era formada exclusivamente por saltimbancos da pior estirpe, tão salpicados de cabotinice que não alcançavam o desenfado de suas senhorias nos opíparos banquetes. Uma corte de bobos tristes não traz benefícios a ninguém. Como nas restantes possessões feudais, os senhores preenchiam os seus ócios com actividades várias. Desde que se acendeu a candeia da Humanidade nessas paragens, a falcoaria era um respeitável mester. Contudo, a corte local era tão pindérica que não possuía um único falcão. A única ave de presa criada na falcoaria do Conde Redondo era um bufo. Apesar do título de conde do senhor feudal, este mantinha um bufo real (Bubo bubo), numa clara inversão da hierarquia. O bufo real sobrevoava as diversas tabernas do burgo, onde caçava as conversas dos súbditos, transportando-a depois nas suas negras garras para as depositar nos ouvidos do falcoeiro-mor. Esse bufo era prodigioso, porque falava e recontava as narrativas captadas pelo apurado sentido de audição, por vezes obstruído por verdadeiras torrentes de cera, aproveitadas para polir o sobrado do paço condal. Um verdadeiro milagre da Natureza, cuja notoriedade no consumo de "mines pretas" e tabaco, únicos alimentos permitidos na sua dieta, se tornou lendária por toda a Cristandade. Em algumas ocasiões, a avis rara torcia os significados do que ouvia e aumentava a narrativa a seu bel-prazer, de forma a sentir-se menos insignificante na corte. Noutras, perseguia o possível conspirador numa clara estratégia de policiamento de proximidade. Um dos primeiros espiões avícolas da História. Esperemos que a ascensão através da delação empreendida pelo Bubo bubo possa ser imitada por uma miríade de colaços aspirantes a cortesãos. Seria da forma que se incrementaria o consumo de "mines pretas" na cona da puta que os pariu, a qual expeliria simultaneamente fumo de cigarro pelos lábios, à boa maneira dos reinos de Sião. A salvação premente seria recrutar besteiros de conto em número suficiente para dizimar essa praga a tempo. Talvez assim, pudesse o condado viver feliz para sempre...
1 comentário:
Por esse motivo nos calhou o triste Pio. Toda a verdade em www.reifazdeconta.com
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