agosto 31, 2008

Lendas e Narrativas

"Reina a canalha mais vil/neste branco, verde e tinto"
(João Ferreira-Rosa, "Portugal foi-nos roubado" in
 Ontem e Hoje, EMI-VC, 1996)

Era uma vez um condado estrategicamente localizado próximo de uma das mais ocidentais praias lusitanas (desculpa lá, ó zarolhão, mas tu não tiveste culpa de ser tão bom naquilo que fazias). Do alto de uma fraga, um sólido castelo mirava em redor. A mata de sobreiros estendia-se para o meio-dia e pelas suas copas soprava uma aragem húmida trazida pelos ventos marítimos. O território diminuto encontrava-se sob as ordens de uma terrível dinastia de senhores feudais, encabeçados por um aristocrata hirsuto, extraído de um romance de Walter Scott. Na corte pontificavam os mais respeitáveis e ilustres indivíduos, com destacada mercê para aqueles com uma língua especialmente instruída nas técnicas de lamber botas com frequência, brio e afinco. A outra facção mais representada não era a dos homens-bons nem a da arraia-miúda, por estranho que possa aparentar. Desde imemoriais tempos visigóticos, os bobos da corte alcandoraram-se num primaz lugar no condado. Este modelo de corte assumiu caracteres distintivos dos congéneres durante os processos simultaneamente pulverizadores e aglutinadores promovidos pelas chamadas monarquias feudais (Jacques Le Goff, L'Europe est-elle née au Moyen Âge?, Paris: Éditions du Seuil, 2003). Os bobos ocupavam um espaço destacado nas cortes medievais. Contudo, poucas dessas os incluíam na cúria, entidade responsável pela administração do território. No recôndito condado, a cúria era formada exclusivamente por saltimbancos da pior estirpe, tão salpicados de cabotinice que não alcançavam o desenfado de suas senhorias nos opíparos banquetes. Uma corte de bobos tristes não traz benefícios a ninguém. Como nas restantes possessões feudais, os senhores preenchiam os seus ócios com actividades várias. Desde que se acendeu a candeia da Humanidade nessas paragens, a falcoaria era um respeitável mester. Contudo, a corte local era tão pindérica que não possuía um único falcão. A única ave de presa criada na falcoaria do Conde Redondo era um bufo. Apesar do título de conde do senhor feudal, este mantinha um bufo real (Bubo bubo), numa clara inversão da hierarquia. O bufo real sobrevoava as diversas tabernas do burgo, onde caçava as conversas dos súbditos, transportando-a depois nas suas negras garras para as depositar nos ouvidos do falcoeiro-mor. Esse bufo era prodigioso, porque falava e recontava as narrativas captadas pelo apurado sentido de audição, por vezes obstruído por verdadeiras torrentes de cera, aproveitadas para polir o sobrado do paço condal. Um verdadeiro milagre da Natureza, cuja notoriedade no consumo de "mines pretas" e tabaco, únicos alimentos permitidos na sua dieta, se tornou lendária por toda a Cristandade. Em algumas ocasiões, a avis rara torcia os significados do que ouvia e aumentava a narrativa a seu bel-prazer, de forma a sentir-se menos insignificante na corte. Noutras, perseguia o possível conspirador numa clara estratégia de policiamento de proximidade. Um dos primeiros espiões avícolas da História. Esperemos que a ascensão através da delação empreendida pelo Bubo bubo possa ser imitada por uma miríade de colaços aspirantes a cortesãos. Seria da forma que se incrementaria o consumo de "mines pretas" na cona da puta que os pariu, a qual expeliria simultaneamente fumo de cigarro pelos lábios, à boa maneira dos reinos de Sião. A salvação premente seria recrutar besteiros de conto em número suficiente para dizimar essa praga a tempo. Talvez assim, pudesse o condado viver feliz para sempre...

agosto 28, 2008

O Poeta em Lisboa

Quatro horas da tarde.
O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
Tem febre. Arde.
E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.

Segue por esta, por aquela rua
sem pressa de chegar seja onde for.
Pára. Continua.
E olha a multidão, suavemente, com horror.

Entra no café.
Abre um livro fantástico, impossível.
Mas não lê.
Trabalha - numa música secreta, inaudível.

Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.

Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.

Sai de novo para o mundo.
Fechada à chave a humanidade janta.
Livre, vagabundo
dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta.

Sonâmbulo, magnífico
segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
Um luar terrífico
vela o seu passo transtornado.

Seis da madrugada.
A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
Defende-se à dentada
da vida proletária, aristocrática, burguesa.

Febre alta, violenta
e dois olhos terríveis, extraordinários, belos,
Fiel, atenta

a aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos.


António José Forte (1931-1988)
Uma faca nos dentes, Lisboa: & Etc, 1983

agosto 27, 2008

Cause and Effect

the best often die by their own hand 

just to get away, 

and those left behind 

can never quite understand 

why anybody 

would ever want to 

get away 

from 

them


(Charles Bukowski, Septuagenarian Stew,  Black Sparrow Press, Santa Rosa, 1990)



Cesare Pavese (9 de Setembro de 1908-27 de Agosto de 1950)


"I suicidi sono omicidi timidi. Masochismo invece che sadismo." (Il mestiere di vivere, Einaudi, Torino 1952, p. 405)

agosto 26, 2008

Cave insonorizada

Não, caro leitor (no singular, claro está). Este artigo não se focará na selvajaria exercida por Josef Fritzl na sua própria família. Se, por um lado, o homem queria apurar a raça Fritzl pela forma mais extrema de endogamia, incesto e sequestro não são práticas toleráveis num estado que já nos doou alguns dos maiores democratas da História (Klemens Wenzel von MetternichArnold Alois Schwarzenegger, para não mencionar Adolf Hitler) O incesto, prática reiterada pelo sequestrador foi tema de diversos trabalhos académicos. Sigmund Freud (outro austríaco famoso) editou a sua obra Totem und Tabu: Einige Übereinstimmungen im Seelenleben der Wilden und der Neurotiker (Leipzig/Wien, Hugo Heller, 1913), o que demonstra o interesse dos naturais desse território nessas práticas. Posteriormente, o antropólogo Claude Lévi-Strauss (empresário têxtil nas horas vagas, especializado em gangas), publicou Les Structures élémentaires de la parenté (Paris, Presses Universitaires de France, 1949), estudo central nas estruturas de parentesco, apontando a proibição do incesto como potenciador de alianças dentro das comunidades. Aparte dessas teorias, Fritzl procurava realizar em três gerações aquilo que a dinastia de Bragança teve 300 anos para conseguir: produzir um D. Duarte. A consanguinidade é uma coisa lixada. Contudo, a magnífica capacidade técnica de Fritzl, um verdadeiro pináculo da techne, poderia ter sido aproveitada em Portugal. Numa cave escura de uma chafarica da periferia, reunia-se regularmente um grupo de amigos para as maratonas alcoólicas e para discutir de forma aberta e sem complexos "se o rabo daquela era melhor que o rabo da outra". Escusado será avançar que estas não pertenciam ao grupo e seus namorados encontravam-se presentes manifestando um semblante carregado e repleto de perplexidade. A partir de determinada altura, alguém decidiu instalar um acordeão de botões numa mesa (sim, leram bem, um acordeão de mesa) e um camarada passava lá as noites a entreter as massas com musiquinhas de baile. No fundo, era um acordeonista algo descaído que chagava a malta até à exaustão. Por isso, senhor Fritzl, insonorize só mais uma cave antes de ir tomar duche com os seus novos amigos do sabonete.


agosto 25, 2008

I won't dance, don't ask me

"V- O Partido

1. Partido político e vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, o Partido Comunista Português é um partido patriótico e internacionalista."

(extraído do programa do PCP)

Com uma vanguarda destas, a "classe operária" e "todos os trabalhadores" estão bem fodidos.

agosto 23, 2008

Princípio de Realidade

Todos temos pelo menos um amigo que pensa que qualquer mulher que lhe responda demonstra uma paixão assolapada escondida no mais íntimo do seu ser. Essa alucinação mostra um défice naquilo que Sigmund Freud designou por "princípio de realidade" (Neue Folge Der Vorlesungen Zur Einfürung in Die Psychoanalyse, Wien: Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 1933). A ausência total de noção do mundo real é um traço recorrente em algumas personalidades claramente psicóticas. Quando a mesma pessoa revela em público: "-Os meus peidos não cheiram mal" deve ser levado a sério e prestes internado numa casa para maluquinhos. Um dado relevante até agora ocultado pelo narrador: a alimária não dispõe de sentido olfactivo devido a uma doença do foro respiratório. Ou seja, porque não consegue cheirar, depreende que não há cheiro. O subjectivismo empirista levado ao extremo. Isso torna-o um fantástico estudo de caso para a validação da filosofia de George Berkeley (A Treatise Concerning the Principles of Human Knowledge). Nesse importante tratado, central no desenvolvimento do idealismo alemão (causando grande impacte no pensamento de Fichte), o autor explana uma teoria que se baseia na constituição de um Mundo exterior de Ideias. Criticando o empirismo postulado por John Locke, Berkeley afirma que, se o conhecimento humano se baseasse exclusivamente na percepção e se esta apresentasse anomalias, o sujeito construiria um Mundo distorcido. Um mundo distorcido em que o sujeito em causa se revê como um conquistador femeeiro, quando toda a gente sabe que deve ter as palmas das mãos mais peludas que o Tony Ramos. Enfim, um verdadeiro quadro de Dali. A coisa torna-se mais grave quando o espécime tenta cantar sobre a música emitida pelo auto-rádio sem acertar uma única nota, mas considerando-se um autêntico Sinatra. Por vezes, este autor pensa que se está a tentar bater o recorde do Guiness para a conversa mais estúpida de todos os tempos. Desde megalomanias empresariais à importação de Viagra da China, tudo é assunto aflorado e posteriormente esmiuçado nessas tertúlias. Todavia, tudo refina no que toca à interacção com o sexo feminino. Que o presente escriba saiba, é uma psicopatologia grave entender que uma pessoa que o repele com asco se encontra perdidamente enredada num amor que desponta. Aliás, esse tipo de relação foi alvo de diversas resoluções judiciais fascinantes. Este autor requer, encarecidamente, que nenhuma empregada de balcão sorria na presença desse sujeito cognoscente, sob pena de assédio na sua forma mais explícita e infantil possível. Grow up, will you?


agosto 22, 2008

A revolução contínua (Mao)

"Para terminar: nessa indescritível apoteose feita ao Exército e à Marinha em Braga, ao comemorar-se o décimo aniversário deste movimento, milhares de pobres homens pobremente vestidos levantavam ao alto, para que fossem bem vistos de todos, cartazes com esta inscrição: a Revolução continua. E eu pergunto se, enquanto houver uma nuvem de perigo externo, um germe de desagregação interior, um português sem trabalho ou sem pão, a Revolução não há-de continuar!" 


António de Oliveira Salazar, Discurso proferido em Lisboa nas comemorações do ano X da Revolução Nacional, 28 de Maio de 1936. Publicado em Discursos e notas políticas, vol. II, Coimbra Editora, Lda., 1937


Pessoalmente, entre todos os Salazares, prefiro este:



This is the blues and I'm John Lee Hooker

agosto 21, 2008

Hamburgers e Propriedade Intelectual

Numa deslocação aos subúrbios lisboetas, o autor deparou com um verdadeiro achado gastronómico. No centro comercial Odivelas Parque, localizado no vértice entre desprestigiados antros de escumalha suburbana e quejandos indivíduos, existe uma praça de alimentação. O narrador arenga contra a iniciativa da criação de Praças da Alimentação nos diversos centros comerciais, visto estas serem uma infame cópia das Praças da Restauração dispersas pelo território nacional. Nesse círculo altamente vicioso, emergiu um estabelecimento que prendeu a atenção ao presente escriba. O h3 (passe a referência publicitária) concentra-se maioritariamente na comercialização de carne picada em bloco, vulgo hamburgers. Contudo, não é qualquer estirpe de hamburger lá comercializada. De acordo com a morada cibernética do sobredito centro, este local disponibiliza o hamburger na forma "gourmet, de chefe ou de autor". Já foi anteriormente referido o disparate da etiqueta gourmet e toda a merda que lhe está adstrita na mitificação de uma classe média imbecil com pretensões a figurar na Caras. Estamos, obviamente, a referirmo-nos a pessoas que se encontram dispostas a ingerir as combinações mais bizarras de substâncias claramente consequentes de experiências genéticas que deram para o torto. E pior, gabam-se de consumir ingredientes com nomes de tal forma apanascados que este autor até tem vergonha de os pronunciar em público. O cronista acredita mesmo que até a paneleiragem do Príncipe Real tem pruridos em utilizar esse tipo de linguagem. Serve isto para focar que o ponto mais distante na cultura gourmet a que chegou este escriturário foi o famoso "frango tipo leitão", porque pensava tratar-se de uma feliz aplicação da engenharia genética tuga, que já produziu, com grande sucesso e para enorme agrado dos europeus, um cherne barrosão. Mas uma dúvida ressalta: o que será um hamburger de autor? Um chefe (não saloio) irá à Sociedade Portuguesa de Autores registar a sua obra? E em que suporte ficará registada? Como se tratam os direitos conexos nessa ocorrência? Aproveitando a vista panorâmica para uma encosta povoada de vivendas clandestinas da praça de alimentação do Odivelas Parque, o autor encontra-se a desenvolver um hamburger que almeje emparelhar com as sinfonias do conterrâneo hamburguês Johannes Brahms. Esperemos que não seja um hamburger de homenagem ao Rei Balduíno IV de Jerusalém, confeccionado com carne de leproso.


O baterista é um mal necessário

agosto 19, 2008

Saloios

"Isto é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, factos e situações reais é pura coincidência." 

Chamemos-lhe O Retiro do Pescador, mais conhecido por Joca. Sito na Praceta 28 de Maio de uma localidade que pareceria extraída da Quinta Dimensão, se apenas fosse um pouco mais normal. O Joca tem laborado oficiosamente enquanto uma espécie de Consulado Brasileiro para Alcoólicos. Na opinião altamente fundamentada e moderadamente xenófoba de Moita Flores, uma concentração de potenciais criminosos sanguinários que aguardam apenas a oportunidade para entrar na rotina homicida que mantinham no país de origem. Uma espécie de amok restituinte da primordialidade criminosa endémica à raça brasileira, equivalente à libertação do UrschreiTodavia, o Joca era um espaço acolhedor há uns anos, em especial no que toca aos emolumentos necessários à prática dos matraquilhos. Infelizmente, a mesa assemelhava-se à actual Ossétia, dado o relevo e orografia do território após os recentes bombardeamentos do czar. Numa tarde acolhedora de Primavera, uns marmelos entraram no estabelecimento "hoteleiro" e requisitaram açúcar, de forma a cozerem e produzir marmelada. Este trocadilho com o significado duplo da expressão "marmelo" foi mesmo inevitável. Sempre que o presente autor ouve essa locução imagina um aglomerado de marmelos a passear e falar entre eles. A imagem é divertida. O trocadilho, não. Os marmelos entraram e inquiriram: "-Ó chefe, tem Gorilas de morango?". Ao que o proprietário retrucou imediatamente do alto das suas canadianas: "-Chefe? Chefe é pós saloios!". Nesse momento, os jovens clientes agarraram o seu varapau ferrado (que utilizam para varrer o terrado das feiras onde vendem as hortaliças de produção artesanal) e o barrete preto, retirando-se com pesar após tão grave insulto. Ó Joca, chamar saloios aos rapazes? Manca-te, caralho!


agosto 17, 2008

Observação muito sábia

Esta foi roubada de forma assumida e simpática deste local absolutamente fascinante:

Shrewd observer"You've had way too much cock in your mouth to be vegan."

agosto 15, 2008

In a cafe

A guy sits down in a Cafe and asks for the hot chili. The waitress says, "The guy next to you got the last bowl."

He looks over and sees that the guy's finished his meal, but the chili bowl is still full. He says, "Are you going to eat that?"

The other guy says, "No. Help yourself." 

He takes it and starts to eat it. When he gets about half way down, his fork hits something. He looks down sees a dead mouse in it, and he pukes! the chili back into the bowl. 

The other guy says, "That's about as far as I got, too."

agosto 14, 2008

Lost in Translation

Que a iliteracia é um dos principais factores de atraso de Portugal é um dado suficientemente discutido, graças ao apurado sentido de serviço cívico de Maria Filomena Mónica. Graças às fantásticas evoluções tecnológicas no campo educativo, será possível a todos os alunos da primária ter um computador para crianças. Para utilizar o jargão altamente técnico das Ciências da Educação, essa solução aparenta ser "porreira, pá". Contudo, para quê pôr as criancinhas a mexer num computador para putos, quando estas já se entendem com essas máquinas de forma mais profícua que a maioria dos crescidos e ensinam os paizinhos a ler o relevantíssimo A Bola ou a localizar pornografia no Google (passe a referência à marca)? Mistério. No fundo, seria equivalente a oferecer uma bicicleta com rodinhas a Eddy Merckx. Concerteza ficaria igualmente grato e desconcertado pela oferenda. E um computador chamado Magalhães é coisa que se apresente? Rodrigues, Santos ou Ferreira seriam designações muito mais "tugas". A título de curiosidade (e passe o ataque à magificientíssima governação dolcista-gabbanista de Portugal, ideologia na qual somos pioneiros), fica um "justo, honesto, coerente, imparcial" (Capitão Moura, Liga dos Últimos, RTP 2008) local da rede respeitante ao único, singular, exclusivo e original Magalhães. Como o texto indica, é um computador barato e "destinado a crianças de países em desenvolvimento". Ou seja, Portugal encontra-se na vanguarda tecnológica dos "países em desenvolvimento" e, ainda assim, manifesta a distinta lata de armar ao pingarelho. O Dr. Goebbels do actual governo está a desleixar-se ou a ingerir couratos como se o amanhã não existisse, acompanhados por umas "mines" e burriés nasais. Este alongado preâmbulo serve para introduzir o tema da iliteracia na vida quotidiana. Encontrava-se o presente autor a consumir uma chávena de lama quente ao balcão de um honrado estabelecimento comercial quando se deu a aparição de uma velhinha disforme com uma camisola na qual estava inscrita a palavra "Diva". Quando o presente diarista ouve essa expressão, logo a sua memória associativa remete para Maria Callas, Monica Vitti, Lauren Bacall ou Nuno Guerreiro. Iliteracia ao mais alto grau? A senhora tem uma Casa dos Espelhos como a saudosa Feira Popular? Nunca saberemos com absoluta certeza se era um problema de literacia ou oftalmologia. Contudo, pululam nas localidades portuguesas centenas de dísticos em camisolas que apenas podem ser considerados sinais da fina ironia e sentido de humor das pessoas que os usam. Ansiamos pelos resultados do programa de ensino do Inglês no Ensino Básico. Será verdadeiramente comovente assistir a Macbeth apresentado na língua original numa récita escolar em Fornos de Algodres.

«Os estudantes e as suas famílias reagiram simplesmente aos estímulos que lhes foram administrados. E esses estímulos passaram todos, até há pouco tempo, por um sistema de ensino em que a inclusão era mais importante do que a qualidade, e a auto-estima mais importante do que o esforço disciplinado. Em poucas áreas os equívocos foram maiores do que no ensino. Em Portugal, inquéritos à origem social dos estudantes e contas sobre o rendimento previsível dos licenciados levaram sistematicamente à ideia de que um diploma era um "privilégio": para os bem-aventurados, era uma forma de se reproduzirem; para os outros, um meio de ascenderem. Era de facto assim. Mas a partir daí imaginou-se que a questão era expandir esse "privilégio" administrativamente, da maneira mais barata e expedita. A facilidade passou a ser encarada como um princípio de justiça social. A mínima referência à qualidade levava a suspeitas de "elitismo".»

Rui Ramos, Público, 28 de Setembro de 2006

agosto 12, 2008

A loira

A loira vai-se casar, mas o noivo não sabe que ela já não é virgem...

Para não o decepcionar na lua-de-mel, resolve perguntar a uma amiga o que deveria fazer. A amiga deu-lhe a ideia de, antes do sexo, ela pedir-lhe para ir à casa de banho enquanto se arranja para ele e, nessa altura, substituir o hímen por um pequeno balão.

Aceitando a sugestão, na hora H a loura pede ao marido que vá à casa de banho enquanto ela se prepara para ele. Quando ele regressa ao quarto, ela já está pronta em cima da cama, com uma pose sensual, à espera. O marido entra com os preliminares e, na altura da penetração, ouve o pequeno estouro. Ele assusta-se, interrompe o acto, olha para o pénis e fica estático. Ela imediatamente pergunta: 

- Que houve, amor? Nunca viste um hímen?? 

O marido responde:

- Sim, mas nenhum que dissesse FELIZ ANIVERSÁRIO!!!

agosto 11, 2008

"-Vou às Mulheres!"

Este fugaz episódio ocorreu durante uma noite em que o álcool evolava o seu anestesiante eflúvio na cabeça do presente escriba. Porém, a sua veracidade foi confirmada no pós-guerra química estomacal do dia seguinte. Um companheiro ocasional de copos e conversa que, para não revelar a sua identidade, será denominado Pink Floyd foi o protagonista desse momento mágico. O Pink Floyd, resultado de uma árvore genealógica de alcoólicos frutos fermentados no meio rural da Saloiolândia, trabalhava com lixo. Quando o autor utiliza a expressão "trabalhava com lixo", emprega-a no sentido literal. O Pink era lixeiro, não era assistente social nem guarda prisional e, muito menos, porteiro da Assembleia da República. Herdeiro das sequelas de avoengo alcoolismo, Pink fazia jus ao seu património heráldico. Numa plácida e tépida noite de Julho, enquanto o proprietário da capela ao deus Dyonisos (estavam à espera da referência ao equivalente romano, não estavam? Cabrões! Lixei-os bem!) perorava acerca da putefice das sapateiras, que se espojavam com as dez patas abertas à espera que as comessem, apareceu o Floyd. Acampou ao balcão, onde filosofava fluentemente, na medida do possível, acerca de qualquer assunto de actualidade. Presumi que tecesse considerações ao programa nuclear iraniano. Enquanto aflorava as complexas teorias de fissão e fusão atómicas (seguramente era isso que chegava aos ouvidos do presente autor ou, pelo menos, aquilo que este entendia estar a ouvir), bebia calmamente a sua jola. O estimado leitor certamente reparou que o contador utiliza termos da gíria, de forma a enfatizar a demonstração da estirpe do mangas. À saída, Floyd assaltou o autor com a seguinte expressão "-Vou às mulheres!" antes de vestir o colete retroreflector e ligar a acelera. Entretanto este tabelião relembrou que, inconscientemente, a distinta personalidade protagonizou o momento do mais eivado republicanismo a que pôde presenciar. Num povoado em que, periodicamente, se realizava uma alegoria histórica ambulatória, o Pink foi abordado com a questão: "-E de que é que vais [vestido] este ano?" Retorno pronto e sábio: "-Vou de rei ou de outra merda qualquer!" Cremos que essa resposta não chegou aos ouvidos de D. Duarte ou do Rei dos Frangos, refastelado no seu sobranceiro castelo leiriense. 

agosto 10, 2008

agosto 09, 2008

Diário de um lojista em Monção

Desengane-se o leitor expectante de uma croniqueta ao estilo das Novelas do Minho a martelo. Este autor é suficientemente cônscio das suas limitações por forma a não melindrar a memória de Camilo Castelo Branco ou dos restantes autores circunjazentes no Parnaso das nossas letras. Se, por um lado, a imitação é a mais alta forma de lisonja, o plágio é uma actividade punível por lei (de acordo com a Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril, Artigo 211.º). Monção é uma das localidades portuguesas mais afamadas pela sua vitivinicultura. Terra do Alvarinho, das termas e das muralhas, encontra-se na região raiana do Minho e a escassos quilómetros de Espanha. O seu posicionamento estratégico foi belicamente valorizado nas diversas actividades de contacto cultural com os irmãos castelhanos que nos quiseram carinhosa e incestuosamente subjugar por diversas vezes. Contudo, é igualmente uma terra de emigração. A agricultura de subsistência deu lugar à semeadura de vivendas de elevado estilo arquitectónico e decorativo, erigidas pelos emigrantes e enramalhetadas pelas vertentes locais. Agosto é o mês do regresso. Os filhos pródigos metem-se no recém-adquirido bólide e vêm exibir o seu sucesso às bestas que cá ficaram. De tal forma guiam que a Prevenção Rodoviária, juntamente com o também emigrante Graciano Saga, produziu uma refinada e terna canção de modo a prevenir a sinistralidade nas estradas portuguesas. Encontrava-me ao balcão da mercearia, café e salão de jogos quando entrou um português de torna-viagem. Cedo quis demonstrar o seu sucesso financeiro, acenando-me com um maço de notas preso por um requintado alfinete de ouro, condizente com os anéis e fios que constituíam a sua blindagem. Reparando no espécime, notei uma tatuagem no braço direito. Surpresa total! Assemelhava-se a um retrato de Aníbal Cavaco Silva. Contudo, pareceu-me extremamente difícil lobrigar a personalidade retratada, dado os elevados pergaminhos estéticos do tatuador. Para mim, era o Cavaco e mais nada!!! Nem me tentem convencer do contrário. No mesmo fatídico dia, entrou uma senhora de provecta idade e pediu-me duas pilhas para o rádio. Quando indagada acerca da dimensão e voltagem das mesmas, respondeu: "- Daquelas que dão para ouvir o rancho, claro!" Ora, pois. Está claro?!
 

agosto 01, 2008

Une négresse

Une négresse par le démon secouée
Veut goûter une enfant triste de fruits nouveaux
Et criminels aussi sous leur robe trouée
Cette goinfre s’apprête à des rusés travaux :

A son ventre compare heureuses deux tétines
Et, si haut que la main ne le saura saisir,
Elle darde le choc obscur de ses bottines
Ainsi que quelque langue inhabile au plaisir.

Contre la nudité peureuse de gazelle
Qui tremble, sur le dos tel un fol éléphant
Renversée elle attend et s’admire avec zèle,
En riant de ses dents naïves à l’enfant ;

Et, dans ses jambes où la victime se couche,
Levant une peau noire ouverte sous le crin,
Avance le palais de cette étrange bouche
Pâle et rose comme un coquillage marin.

Stéphane Mallarmé (Les poésies de Stéphane Mallarmé, Paris: Éditions de la Revue Indépendante, 1887)