Longe vai o tempo em que o Boletim do Ministério da Justiça português divulgava acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça com teor tão humano e erudito quanto este: “... Se é certo que se trata de crimes repugnantes que não têm qualquer justificação, a verdade é que, no caso concreto, as duas ofendidas muito contribuíram para a sua realização. Na verdade, não podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas novas, mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado «macho ibérico». É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois aqui, tal como no seu país natal, a atracção pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-la. Ora, ao meterem-se as duas num automóvel justamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver, conscientes do perigo que corriam, até mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas.” (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 390, Novembro de 1989). Contudo, neste Verão, o Supremo Tribunal italiano deliberou, num âmbito de um processo judicial por estupro, que: "I jeans attillati non sono una cintura di castità" (Os jeans justos não são um cinto de castidade). A história é simples: um padrasto começou a esfregar manualmente a rata à enteada e ela reportou a ocorrência às autoridades competentes. O Manitas de Plata defendeu-se arguindo que num par de jeans apertados seria impossível colocar lá a mão sem "colaboração efectiva" da enteada. O leitor concerteza já se encontra enojado com a história. Se não, aconselho-o vivamente a procurar auxílio psiquiátrico. Todavia, este prólogo serve para introduzir a grande questão (este não é um trocadilho de pendor sexual referente ao caso do padrasto que areava a patareca da enteada): será que o macho latino está a receder? Não basta a autobiografia de Zezé Camarinha para explicar a situação. Continuamos com os role models masculinos de sempre: toureiros, forcados, motards e matrafonas. No fundo, os Village People numa versão autóctone. Como explicar a súbita mudança? A exposição mediática do Cláudio Ramos não explica tudo, apesar de contribuir definitivamente para criar um sentimento de insegurança. Ao contrário da maioria dos portugueses, o presente autor receia mais entrar numa casa de banho pública que em qualquer estação de serviço ou agência bancária lusa. Contudo, deve ser destacada a mudança central de mentalidade operada pelos tribunais italianos. Qualquer dia, os arguidos cumprirão tempo de prisão mesmo quando apresentarem as plausíveis justificações: "-Ela estava a pedi-las!", "-Amarrei-a na bagageira porque ela me convenceu!", "-Se há uma vítima, sou eu. Ela não tinha nada que se dobrar para apanhar a carteira quando eu estava com a sarda na mão!". Com uma justiça nesses moldes, onde se delimita a taradice e começa o crime? Requisito, encarecidamente, aos jurisprudentes deste torrão de testosterona que analisem estas conjunturas e elaborem um manual utilizável nessas embaraçosas situações. Parece que essa seria a primeira vez que o Professor Marcelo se poderia debruçar sobre o único assunto do qual é um eminente especialista. O distinto comentador até estranharia a proposta: "-O quê, pagarem-me para falar de coisas das quais realmente sei? Que afronta!" Para bem de todas as secretárias, empregadas de mesa e do próprio Marcelo Rebelo de Sousa, cá fica a sugestão.
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