maio 29, 2008

Misturas

Recorrendo à definição proposta pelo Wikipedia:


"Uma mistura é constituída por duas ou mais substâncias puras, sejam elas simples ou compostas. As proporções entre os constituintes de uma mistura podem ser alterados por processos químicos, como a destilação. Todas as substâncias que compartilham de um mesmo espaço, portanto, constituem uma mistura. Não se pode, entretanto, confundir misturar com dissolver. Água e óleo, por exemplo, misturam-se mas não se dissolvem."

 

Partamos dessa coordenada: duas ou mais substâncias puras que se misturam mas não se dissolvem. Será possível encontrar substâncias puras? Miscíveis mas não dissolventes? Misturando o Valentim Loureiro com o José Mattoso (duas substâncias puras, a primeira de boçalidade e a segunda de erudição) qual seria a amálgama a obter? Conjecturo uma série de cenários prováveis na interacção social desse indivíduo (qual Frankenstein, or The Modern Prometheus). Por exemplo, uma comunicação integrada no programa de um colóquio universitário internacional: "- A sociedade estratificada do Portugal medievo apresenta traços semelhantes...aos cabrões filhos da puta que querem touros de cobrição para o Boavista!". Imergindo-nos nesses universos de ocorrência em maior profundidade, o caso pode prestar-se a embaraços terríveis. Por exemplo, durante uma partida de futebol entre o Boavista e o Belenenses: "- O árbitro é um gatuno, é pior que...o D. Pedro II, que roubou o trono e a mulher ao irmão!" Este acumular de situações apresenta-se-me como verdadeiramente indigno de uma personalidade resultante da mistura de substâncias puras. Pior, imaginem essa criatura no seu escritório, malevolamente etiquetado de "bar de alterne" por alguns elementos suspeitos (como agentes da autoridade, dirigentes desportivos ou fiscais municipais). "- Chafurdava nos teus biberões como...Como rebola as nádegas amarelas!/Cem olhos brasileiros estão seguindo/o balanço doce e mole de suas têtas...." (Carlos Drummond de Andrade, Cabaré Mineiro). Após estes instantâneos Dr. Strangelove, coloca-se uma nova questão: como separar os constituintes da mistura? As técnicas laboratoriais sugerem-nos variados processos: decantação, filtragem, centrifugação, cristalização, destilação e quejandas e incompreensíveis expressões terminadas em -ão ou -fia. Contudo, existirão procedimentos que permitam abiscoitar o apartamento total entre erudição e boçalidade? O presente texto apresenta-se enquanto momento auto-reflexivo no que toca à essência deste espaço. A exequibilidade da conjugação desses elementos enquanto realidade dialéctica configurar-se-á fulcral nesta construção narrativa. Termino com um pequeno apontamento desse pendor, da autoria de Elmano Sadino (mais conhecido por Bocage):


Que fio de ouro, que cabelo ondado,

piolhos não criou, lêndeas não teve?

Que raio de olhos blasonar se atreve,

que não foi de remelas mal tratado? 

Que boca se acha ou que nariz prezado 

aonde monco ou escarro nunca esteve? 

E de que cristal ou branca neve 

não se viu seu besbelho visitado?  

Que papo de mais bela galhardia 

que um dedo está do cu só dividido, 

não mijou e regra tem todos os meses?  

Pois se amor é tudo merda e porcaria, 

e por este monturo andais perdido, 

cago no amor e em vós trezentas vezes.



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