Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
da carne virgem mandada
cavar glórias e grandeza
do outro lado do mar.
Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosinada.
Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos do espesso deslizar
dos braços e das mães do meu país.
Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.
Olha-me a noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.
Ruy Duarte de Carvalho, A Decisão da Idade (Lisboa, Sá da Costa, 1976)
1 comentário:
este fds ouvi o mia e o agualusa comentarem que o Ruy Duarte de Carvalho é talvez dos únicos escritores africanos que tem, de facto, ligação à tradição oral dos contadores de histórias africanos...
Assumiram, os 2, que estão mto mais proximos dos escritores sul- americanos do que propriamente à oralidade africana.
E acho que ele não estava a falar de bicos a 10 euros...
A.Bruto
Enviar um comentário