maio 27, 2009

Cântico Negro

José Régio, Poemas de Deus e do Diabo (Coimbra: Oficinas da Lumen, 1920).

maio 24, 2009

maio 17, 2009

No país dos sacanas

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glandulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

Jorge de Sena, Quarenta anos de servidão (Lisboa: Moraes Editores, 1979).

maio 13, 2009

Qual é que é o tom?

Numa ensolarada tarde, um grupo de jovens (não confundir, por favor, com Escuteiros ou aglomerados de cariz paroquiano) encontrava-se a demonstrar as suas destrezas musicais a la intervalo de liceu, sentado nos confortáveis bancos de uma praça pública. Sorrateiramente, aproximou-se um camarada que logo pegou na guitarra e, dedilhando as suas cordas, inquiriu: "-Qual é que é o tom?" Silêncio gélido...O senhor repete o acorde e volta a perguntar: "-Qual é que é o tom?" Nesse momento, alguns dos mais musicalmente dotados (pelo menos de acordo com as suas próprias cabeças, as quais seriam muito úteis para pregar pregos, mas não para a capacidade alargadamente designada por raciocínio) tentam adivinhar e não acertam. O avaliador retruca: "-Então vocês andam aí a tocar e não sabem nada?" É preciso ter bem presente que os "guitarristas" ou guitarreiros encetaram um aturado processo de formação com o cura de aldeia, indivíduo mais interessado em política e em desempenhar a árdua função de capelão da família aristocrática do burgo do que em realizar um efectivo trabalho com as comunidades locais. Essa "escola" permitiu aos "músicos" dominar uma panóplia de cerca de seis acordes, os quais repetem até à actualidade (e exaustão), passados cerca de 15 anos. Contudo, poderão argumentar que, dados os requisitos musicais do repertório interpretado, não sentiram necessidade de acrescentar os conteúdos transmitidos, por via oral, pelo padreca. É fascinante como indivíduos que acabaram o liceu há mais de 10 anos não consideram ridículo "interpretar" e "compor" ao melhor estilo Mafalda Veiga. Aqui abro uma excepção para João Pedro Pais que, apesar de ter terminado a Casa Pia na equipa de luta greco-romana e sem ter que recorrer a fraldas (tarefa duplamente difícil, visto que dois homens musculados e suados vestidos de maillot a agarrarem-se selvaticamente numa instituição que albergava práticas pedófilas homossexuais permanece a este autor uma actividade suscitadora de suspeitas) tem uma estatura física de um aluno de liceu. Valha aos "guitarristas" a surdez colectiva e congénita dos co-habitantes da vilória, que os apoiam no matter what. No fundo, o interprelador encontrava-se coberto de razão ao afirmar que eles não tocavam um caralho. Contudo, por várias madrugadas uma maldição abateu-se sobre a sua casa e, misteriosamente, o seu sino/campainha repicava fortemente como que a perguntar: "-Ó Pá...qual é que é o tom?"


maio 11, 2009

maio 05, 2009

The Man Who Planted Trees

Como última homenagem, afixo aquele que me disseste, com a tua habitual bonomia e polidez, ser o teu favorito. Obrigado por tudo, Vasco, e hasta siempre...

(Frédéric Back, The Man Who Planted Trees, 1987)

maio 04, 2009

maio 03, 2009

Uma saída nocturna com o amigo S.

O facto deste redactor designar uma pessoa por "amigo S." não se encontra directamente associado à leitura de O processo, da autoria de Franz Kafka. Enquadra-se exclusivamente numa estratégia de protecção de dados individuais semelhante à empreendida pela TVI durante o pico do processo Casa Pia, no qual um intrincado e desenvolvido sistema de distorção de voz e imagem dissolvia a identidade dos entrevistados, de tal forma que até os arguidos poderiam, eventualmente, realizar declarações comprometedoras contra si próprios sem levantar qualquer tipo de questão. Numa tarde de Verão, S. e este infeliz estenógrafo fizeram parte da assistência de um evento musical. Após uma rápida refeição numa praça de alimentação de um espaço comercial, no qual S. tentou engatar empregadas de uma célebre cadeia de fast-food, (cuja beleza seria apenas detectável por pessoas como o vice-presidente da ACAPO), assistiu-se à função. Posteriormente, dirigimo-nos para uma zona residencial da capital, onde poderíamos "engatar betinhas" (citando S.). Chegados a esse local por volta da 1:30 da madrugada, o presente contador tentou dissimular-se na penumbra, intento gorado. Nesse momento, um dirigente de uma importante associação profissional portuguesa encontrava-se a sair do seu BMW. S. dirigiu-se para ele, cumprimentando-o calorosamente e estendendo-lhe a mão de forma amigável. É necessário frisar que S. padece de um severo distúrbio de personalidade (clinicamente designado por Transtorno de Personalidade Histriónica) associado à megalomania. Logo, destrinçando alguém que aparece nos media, a sua tendência natural é, obviamente, saudá-lo como se de um amigo de infância se tratasse (um pouco na esteira do Emplastro, embora com menor grau de lucidez). Escusado será dizer, o senhor ia-se borrando de medo quando abordado de forma afável e ruidosa por um perfect stranger. S. facilmente detectou um elo de ligação com o seu interlocutor (o qual, na óptica deste recontador, seria extremamente oblíquo mas que, na lógica de S., propiciava um elevado grau de intimidade) e entabulou uma conversa bizarra com a desprecavida individualidade. Após alguns momentos, S. deu o diálogo por concluído e dirigiu-se para um café com ar de marroquino de fancaria onde, supostamente, iriam as "betinhas boazonas de Telheiras". De forma a contextualizar este passo, é necessário compreender que o habitat natural de S. é o do café, onde desenvolvem a sua actividade laboral pessoas que, devido à sua profissão, se encontram forçadas a dispensar-lhe alguma da sua atenção. Paralelamente, a qualidade dos cafés é o principal índice na avaliação de qualquer localidade por parte de S.. Em vez do PIB, teríamos o ICFPH (Índice de Cafés Fixes por Habitante) e assim Guterres nunca teria sido caçado em tal embaraçante figura pelos media. Voltando à vaca fria (a qual, neste caso, é um pervertido cheio de tesão que, provavelmente devido à sua capacidade de cativar pessoas, deve ser afligido por um mal crónico paralelo ao "cotovelo do tenista", o chamado "pulso do punheteiro"), após aquilo a que esta testemunha ocular designaria por tentativas de estabelecer romance a la Rudolfo Valentino de araque, o jagodes desistiu e decidiu regressar a casa. Fazer o quê, ninguém sabe, mas existem fortes suspeitas...

O gigante de Lubliana