abril 25, 2009

Comemorações


Serve o presente texto para reflectir sobre o dia de hoje. Uma reflexão desinteressada focada em aspectos completamente irrelevantes, um pouco na esteira dos que tornaram Pacheco Pereira famoso. No dia de hoje desenrolam-se diversas comemorações do "25 de Abril" (incluo aspas graças ao esforço conjunto de Vasco Pulido Valente e Rui Ramos) e apenas penso numa ideia transmitida pelo interessantíssimo filósofo Roger Scruton no seu ensaio England: An elegy (London: Chatto & Windus, 2000). Scruton, um conservador empedernido, defensor do tweed e da caça à raposa (e, no mesmo caminho, do homoerotismo associado ao sistema das public schools britânicas), defende nesse livro de inspiração quasi-marxista (vide Benedict Anderson, Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism, London: Verso. 1983) uma ruptura entre celebração e realidade. O autor aponta que o esvaziamento da eficiência real de um evento é compensado pela sua hiper-celebração simbólica. Em termos lacanianos, o Real é traduzido para o Simbólico (com a consequente perda associada a esse processo). Dificilmente esse postulado poderia ser melhor aplicável ao "25 de Abril". Como referia o sociável e jovial José Mário Branco no FMI (Ser solidário, EMI-VC, 1982): "Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas". Poderia agora encetar um libelo acusatório a todos esses cabrões, filhos da puta, celerados, chulos, oportunistas e quejandos epítetos que celebram a data de hoje precisamente porque a mesma se tornou inóqua. Não o farei, porque creio que essas pessoas não merecem os meus insultos. Contudo, deixo um elo para um texto que, após o Tríduo Pachecal, representa uma visão in loco do evento que veio a ser semanticamente esvaziado de forma a legitimar uma choldra de oportunistas que se banqueteia com os parcos recursos de um país periférico. Este é para todos os que estiveram realmente envolvidos no processo democratizante e cuja voz já não pode ser ouvida. Quando os comemorarmos, não será de uma forma limitada e politicamente correcta, mas pela radicalidade efectiva das suas propostas.

Luiz Pacheco, O meu 25 de Abril

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